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uma volta á barbaria que a anarquia das inteligencías seguramente pronunciava.

O rei de Aragão, Pedro 11. cuja boa fé ulteriores sucessos manifestaram, foi um dos primeiros em tomar providencias contra os que com suas predicas provocavam a guerra civil no momento em que mais necessaria se tornava uma internacional e robustissima disciplina.

Reunindo um concilio em Gerona no anno de 1197 para tomar medidas de repressão contra a heresia, resolveu expulsar de seus reinos a todos os hereticos ordenando ut eos exire compellant intra Dominicam Passionis Domini, idque sub poena confiscationis bonorum et comburii corporum, addita etiam poena adversus eosdem ministros si negligentes fuerint, assim como, vinte annos antes, os reis de Inglaterra e de França, tendo posto termo á guerra que os dividia, haviam resolvido intervir nos assuntos do Languedoc para n'ele restabelecer a ordem, e, n'aquela epoca, os imperadores germanicos, de quem a Provença era vagamente feudataria, e os Estados italianos, tambem contaminados do maniqueismo dominante, não duvidavam em reprimir com mão de ferro os que de tal modo queriam quebrar a unidade catolica e esfacelar a cristandade.

Só a Santa Sé, como reconhece o protestante Hürter, o historiador de Innocencio III, sendo precisamente a mais interessada na extinção dos rebeldes que punham em perigo a existencia da sua auctoridade moral sobre o mundo, foi a ultima em pensar n'um violento recurso ás armas.

Ante o miserando aspecto que oferecia o Langue

1 Aguirre: Collectio maxima conciliorum omnium Hispaniae, tomo II, pag. 401.

doc, igrejas saqueadas e destruidas, os conegos de Beziers tendo de transformar a cathedral em fortaleza para n'ela se resguardarem, os routiers revestindo as mulheres com as vestes pontificaes, a anarquia reinando em toda a parte, as consciencias catolicas violentadas e o culto destruido, o Papa tentou dar-lhe remedio empregando apenas as armas espirituaes a persuasão, a palavra.

« A fé cristã está em perigo na vossa patria, escrevia o infatigavel Inocencio III ao arcebispo de Auch em 1 de abril de 1198, n'uma das tres mil oitocentas e cincoenta e cinco cartas que d'ele nos restam, a fé cristã está em perigo e é necessario tomar providencias. » E, efectivamente, já era tempo: a heresia, partindo de Tolosa, tinha se estendido pelo Quercy e pelo Albi, condados de Foix, de Bearn e de Cominges, viscondados de Beziers, de Carcassone e Narbonne, senhorio de Montpeller, Rozellon e Cerdanha, e, se se tardava muito em aplicar o oportuno remedio, em breve o mal seria incuravel.

Para o atalhar o Papa enviou áquelas regiões na qualidade de legados, a dois monges cistercienses, Fr. Regnier e Fr. Guy, encarregados de chamar á fé, por meio do apostolado, aqueles que a haviam perdido; mais tarde o primeiro dos legados foi substituido pelo cardeal João, do titulo de Santa Prisca, e, por ultimo, ambos, pelos religiosos Rodolfo e Pedro de Castelnau que em 1204 foram investidos do titulo de inquisidores, isto é: agentes encarregados de inquirir dos erros contra a fé, titulo este que por primeira vez se menciona na historia eclesiastica.

O conde de Tolosa, desgostoso d'esta medida que podia ser de grande alcance contra a heresia por ele professada e protegida, fez assassinar á falsa fé o legado Pedro de Castelnau, e este acto de violencia, reunido a todos os outros, deu lugar á guerra.

Por todo o norte de França foi prégada a cruzada contra os albigenses, como, em outros tempos, a havia sido contra os infieis; o duque de Borgonha, os condes de Eudes, de S. Pol, de Monfort e de Barrec, os nobres Guiscardo de Belloyoco, Guilherme de Rochés, Gualter de Joigni, Guy de Levis e Lamberto de Thury, os arcebispos de Sens e de Bourges, e os bispos de Autun, Nevers e Clermont, armam-se e armam os seus contra Raimundo de Tolosa, o homem que escandalisava a Europa com actos nefandos e que, segundo a afirmação de Mamachi, entregue a todas as paixões e a todos os crimes até « cum sorore diuturna stupri consuetudine versatus erat» 1.

Em vão o chefe da heresia, querendo conjurar a tempestade que ameaçadora pairava sobre sua cabeça, se presta a submeter-se á penitencia e reparação impostas pelo novo Legado da Santa Sé, rodeado, em solemne aparato, por mais de vinte prelados, no templo de São Egidio; em vão promete castigar os assassinos de Pedro de Castelnau; ou fosse que estes compromissos não se cumprissem ou que á cupidez franca o Languedoc parecesse demasiado desejavel para, postos os olhos n'ele, se detêr a ouvir as platonicas promessas e protestos de arrependimento do conde de Tolosa, o facto é que o exercito catolico, composto de cem mil soldados, empreende a marcha e vem sitiar Beziers.

Começa então o segundo periodo de esta luta em que, embora em oposição com auctores tão dignos de respeito como o admiravel Frei Luiz de Sousa 2, e todos os que, desde ele até Alzog, o historiador da Igreja, e Danzas, o cronista da ordem dominicana,

1 Mamachi, Annalium Ordinis Praedicatorum, liber primus. 2 Historia de S. Domingos, liv. 1, cap. I e seguintes.

vêem na cruzada contra os albigenses o que ela devia ser e não foi, cremos, com Menendes y Pelayo 1, que <na invasão da Provença a religião serviu admiravelmente de pretexto para as ambições francesas ».

Beziers resiste ás ordens de Reginaldo, seu bispo, que lhe é enviado como parlamentario pelos sitiadores, nega-se a render-se, e no dia 22 de julho de 1209 é tomada de assalto pelas tropas francesas e todos os seus habitantes passados a fio de espada, ouvindo-se então, segundo afirmação de alguns negada por outros, a voz do legado Arnaldo, excitando-os á carnificina e exclamando « cœdite, novit Dominus qui sunt ejus!»

Depois d'este feito d'armas, os cruzados procedem á eleição de seu caudilho e, para os capitanear, escolhem a Simão de Monfort, o cavaleiro laureado das guerras da Palestina, aquele de quem grande numero de auctorisados historiadores reconhece o pundonor, lealdade e qualidades proprias de um guerreiro de taes tempos, mas a quem os trovadores seus coevos hereticos e portanto suspeitos ridicularisam, e a quem o satirico Pedro Cardenal chega até a negar a valentia nos conhecidos versos:

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Com tal general, as tropas do norte continuam a guerra de conquista e Fanjeaux, Castres, Mirepoix,

1 Historia de los heterodoxos españoles.

Saverdun, Albi, Limoges e Prissano cahem, depois de Carcassone, em suas mãos, e, n'esta altura, Pedro II de Aragão, o mesmo que tanto tinha feito para impedir o progresso da heterodoxia em seus reinos, justamente alarmado por tal serie de victorias que vinha pôr ás suas portas uma raça inimiga e unido por parentesco aos senhores provençaes, resolve intervir na contenda e colocar-se ao lado do conde de Tolosa, esgrimindo a espada, como ele proprio disse, por tan loca gente y su vana creencia ».

Este acto do soberano aragonês tem sido vituperado por alguns escritores eclesiasticos que n'ele querem vêr uma prova da inconstancia do monarca que pela sua conducta como politico mereceu o cognome de O Catolico e até da influencia sobre seu espirito exercida pelas mulheres 1, mas, em verdade, dados os antecedentes do que, ao lado de Afonso VIII de Castela, tão bizarramente combateu e venceu os mouros nas Navas de Tolosa, parece certo que, já então, as aparencias piedosas a ninguem conseguiam iludir e os espiritos clarividentes encaravam a questão levantada entre o norte e o sul sob o seu verdadeiro aspe

cto.

A intervenção do monarca espanhol foi ao principio diplomatica: parlamentou com Simão de Monfort e até lhe entregou seu filho Jaime, creança de tres annos, para o educar, primeiro, e o casar mais tarde com a filha que o caudilho francez havia tido de seu matrimonio com a esforçada Alice de Montmorency; fez tudo quanto possivel por deter a invasão que se precipitava, mas nada conseguiu.

Monfort, guardando abusivamente em seu poder o joven principe aragonês, continua a guerra; con

1 Nota XII, in fine.

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