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quista Lavaur e vem sitiar Tolosa, para encontrarse, alfim, nos campos de Muret, com Pedro de Aragão que, cansado de inuteis negociações, se opõe pelas armas aos designios dos guerreiros do norte.

Contudo, o choque não se dá imediatamente. Atendendo o soberano aragonês ao prestigio de certos homens que se encontravam ao lado de Monfort, cheio de respeito pelas virtudes de alguns a quem cronistas da epoca chamam «varões veneraveis, cheios do espirito de Deus », decide-se a enviar aos bispos, reunidos em Lavaur, uma petição a favor dos condes de Tolosa, Cominges, Foix, e Gastão de Bearn e, só ante a resposta durissima do Concilio, negando a Raimundo de Tolosa todo o favor e impondo aos outros condições onerosissimas, acompanhadas de censuras e insolentes admoestações a Pedro II 1, este lança suas tropas contra os cruzados.

E em toda a Europa não ha uma só opinião desinteressada que veja n'esta determinação um acto censuravel. Os poderosos barões dos Pirineus que, levados pela fé, haviam acompanhado a cruzada até Narbonne, vendo o seu chefe exterminar os homens do sul, sem poupar mais os catolicos do que os hereges, tinham-se passado para as fileiras de seus irmãos pela raça. O papa Inocencio III havia censurado asperamente Simão de Monfort por dispor, como de coisa sua, dos estados do conde de Tolosa e exortara-o a devolve-los a seu legitimo dono. O proprio Filipe Augusto de França parecia desejar o termo de tanta carnificina. N'estas condições, o rei de Aragão aparece como paladino da justiça maltratada.

Contudo, qual tantas vezes tem sucedido, a sorte

1 Harduino, Acta Conciliorum, tom. vi, p. 11, ab anno 1086 ad anno 1215.

das armas não favoreceu a razão. Na batalha de Muret, cruenta, desesperada, Pedro 11 pereceu combatendo e, com ele, pereceram tambem todas as esperanças de constituição de uma nacionalidade catală-provençal-aragonêsa, una pela raça, una pela lingua, una até quem sabe! -pelos seus grandes destinos na Historia.

E não nos deteremos na relação dos factos acontecidos depois do nefasto dia 11 de setembro de 1213. Ante os excessos de Monfort e do legado pontificio, Inocencio III tem de enviar como seu representante o cardeal Pedro de Benavente que, a grande custo, consegue arrancar o principe D. Jaime das mãos dos francezes para o colocar, qual de direito era, no trono de Aragão: mas foi esta a ultima vitoria da justiça.

De ali em diante será em vão que se façam todos os esforços. Em vão o Papa ordena que a Provença e Beaucaire sejam entregues ao filho de Raimundo vi; em vão o arcebispo de Narbonne defende, em Roma, a causa dos legitimos soberanos provençaes; em vão o trovador Guilherme de Montagnagout, de acordo com Afonso de Castela, prepara a sublevação de Languedoc a favor do joven Raimundo VII; assolada a patria dos poetas, arrancadas as vinhas, destruidas as oliveiras, famintos os seus habitantes, o rei de França entrou em Lião com cincoenta mil cavalos e cem mil homens de infantaria... e o silencio reinou onde outr'ora se haviam entoado canticos, a morte imperou onde em outros tempos tinha vibrado a vida.

Unificada a França, a Provença deixou de cantar; mas o espirito trovadoresco, morto nas margens do Rodano, renasceu na Catalunha; a liberdade que os condes de Barcelona haviam levado áquelas regiões, voltou á sua patria e, ocupando com Jaime 1

o solio aragonês, brilhou como esplendorosa gema na coroa dos senhores do Mediterraneo.

CAPITULO VII

O reino de Aragão

Criado com as conquistas feitas aos arabes pelos reis de Navarra, o Aragão foi apenas, ao principio, um pequeno territorio compreendido entre a Navarra propriamente dita e os rios Ebro e Gallego, um apendice da monarquia pirenaica que só no seculo XI começa a figurar, embora feudatario, como reino áparte.

Constituido por população heterogenea, o feudo que a espada dos soberanos bearneses soubera talhar pela peninsula, parecia destinado no inicio da sua vida historica segundo os costumes da epoca pouco brilhante papel de patrimonio dos filhos secundogenitos de monarcas poderosos.

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Sem unidade etnica e sem tradições, nada n'ela preludiava o que depois havia de ser.

N'esta situação o deixou o rei de Navarra Sancho Ramirez quando mortalmente ferido no cerco de Huesca, não permitiu arrancar do peito o dardo que o prostrára, sem ter feito jurar a seu filho D. Pedro, depois cognominado o Grande, que, como ele, combateria até á morte pelo engrandecimento do territorio.

No reinado d'este monarca, verdadeiro fundador da nação aragonesa, a fronteira arabe começa a retroceder. Vencedor em mil escaramuças, triunfador em Alcaraz, a ele havia de caber a gloria de alcançar em Jativa, com auxilio do Cid, uma das maiores vitorias que, como vimos, registram as cronicas da

epopeia oito vezes secular dos povos hispanicos em luta com os infieis.

Senhor d'uma consideravel porção de solo iberico, o seu trono começou a poder medir-se com o dos reis de Leão e Castela, o titulo de rei de Aragão a merecer preferencia ao de senhor de Navarra, e quando, por sua morte, a corôa passou para D. Afonso o Batalhador e este, dando uma digna capital aos dois Estados, arrancou aos arabes, depois de 400 annos de dominio, a cidade de Saragoça, o poderio aragonês quasi não teve rival na peninsula, a rainha de Castela solicitava el-rei de Aragão em casamento e este auspicioso enlace, que a má conduta de D. Urraca tão depressa havia de gorar, parecia ter adiantado em seculos a unificação da peninsula.

Separados os dois conjuges, as lutas entre castelhanos e aragonêses cavaram bem fundo o abismo das rivalidades e até odios que separam entre si as nacionalidades ibericas; os exercitos de D. Afonso perseguiram a rainha repudiada quasi até Tuy, onde se tinha refugiado sob a proteção do conde D. Henrique de Portugal; os agros mancharam-se mais uma vez de sangue cristão derramado por mãos christās; mas, de todas estas lutas, como sempre sucede, o reino de Aragão sahiu forte e constituido, tendo em si força imanente para iniciar antes que qualquer outro, antes que Portugal e muito antes que Castela, o movimento, caracteristicamente iberico, de expansão extra-peninsular.

Robusto e poderoso, só de uma coisa necessitava para ser grande: o dominio do mar, mas esta mesma falta, comum tambem a Castela, depressa havia de desaparecer.

Sem filhos, o rei batalhador, inspirando-se talvez ideias do direito romano, renascente desde o descobrimento das Pandectas de Amalfi, e, em harmonia

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com teorias que mais tarde haviam de ser quasi axiomas, mas então mais que discutidas, procedendo como se os reinos que governava fossem propriedade sua, deixou-os, em testamento, divididos entre os templarios, os hospitaleiros e os monges do Santo Sepulcro, sem contar com a vontade dos subditos que não se esquecendo da profunda frase da velha constituição iberica: «não se fizeram os povos para os reis, mas os reis para os povos, nem os reis criaram os povos, senão que os povos os fizeram reis », não acataram a ultima vontade de um soberano a quem, contudo, muito veneravam, e, usando do direito que têm todas as nações de escolher livremente quem as governe, fizeram valer as suas prerogativas, elegendo os navarros para senhor a Garcia Ramirez, v d'este nome, e os aragonêses indo arrancar ao claustro, onde, como cenobita, se tinha retirado, a Ramiro, irmão do falecido D. Afonso, para o fazerem rei com o nome de Ramiro e o obrigarem a casar, prévia licença do Pontifice Romano, com a princesa provençal Inés de Poitiers.

Assim se separaram os dois reinos e assim acabou no Aragão a hegemonia dos bravos compatriotas de Garcia Jimeno e Inhigo Arista. A Navarra que em 1234 havia de passar, pela descendencia feminina, á casa de Champagne, em 1274 á dos Carpetos, em 1328 á de Evreux e só em 1425 de tornar, por alguns annos assinalados por luta fratricida, ás mãos dos reis de Aragão, lá continuou vida isolada e altiva como a de suas asperas montanhas. Entretanto, tendo o casamento de Ramiro 1 frutificado com o nascimento da princesa D. Patronila, laço de união en

I

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leis 1.*,

Citada já nos Prolegomenos: Fuero Juzgo. Prim. titolo, 2. e 8.

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