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tre os catalães e aragonêses, o reino de Aragão, depois do seu soberano ter abdicado e haver sido eleito bispo de Tarragona, passa, pelo casamento da filha do rei-monge, para o poder do conde de Barcelona Ramon Berenguer IV que, herdeiro da Provença e senhor dos Pirineus orientaes, muito aumentou a extensão do territorio, quando, seguindo o exemplo de seus antecessores, conquista aos arabes com o auxilio dos genovêses, a cidade de Tortosa, de igual modo que em 1113, Ramon Berenguer, o Grande, em companhia de Guilherme de Montpelier e Emerico de Narbona, se tinha apoderado das ilhas Baleares, arrancando-as com a cooperação da republica de Pisa, ao mouro Nazaradech, rei de Maiorca.

Assim ficou constituida a nacionalidade catalăprovençal-aragonêsa, que embora, não muito tempo depois, estivesse destinada a esfacelar-se, ficando redusida, dentro da peninsula, apenas ao primeiro e ao ultimo termo, tão altos destinos devia representar. Assim ficou constituido o reino de Aragão que, compreendendo toda a Espanha oriental, havia de estender seu poder formidavel até aos confins do Mediterraneo e assim, desde principio, começaram a afirmar-se as relações com a Italia, iniciando-se aquele convivio que, transformado em magno problema, tanta importancia devia de ter em ulteriores tempos.

Entretanto a Castela sob o dominio do filho de D. Urraca e de Raimundo de Borgonha, eleito rei e coroado sob o nome de Afonso II ou vII, era já o nucleo central que, como o condado de Paris com relação á França, a Inglaterra á Grã-Bretanha e modernamente a Prussia á Alemanha, embora não seja dentro d'um conjunto de nacionalidades irmãs, nem a mais culta, nem a mais rica, nem sequer a mais poderosa, tende a assimilar todas as outras, a dominar todas, a todas submeter. Quasi desde que os condes

castelhanos entraram na esfera da acção dos reis de Oviedo, este facto se pode observar, mas com Afonso I tornar-se patente. Já não é um desejo platonico, é uma corrente diplomatica que se manifesta nos actos mais insignificantes, desde quando obriga os subditos a darem-lhe o titulo de imperador i até quando fórça o rei de Navarra a declarar-se vasalo e quer, na sua presença, fazer-se cingir a fronte pelo Arcebispo de Toledo com o diadema imperial.

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Mas, já então, tanto como hoje, as regiões hispanicas, autonomas e independentes, reagiam contra este desejo pondo tanto maior energia na oposição quanto era a empregada na coacção. Assim, ante as tendencias unificadoras de Afonso-Raimundo, explode logo o protesto nacional: o Aragão olha com hostilidade essa megalomania castelhana, a Navarra reage contra a primeira impressão e nega a vasalagem antes outorgada, e, justo castigo da ambição desmedida, quem quiz ser imperador da Iberia perde um dos mais preciosos territorios da peninsula graças á revolta de Afonso Henriques, eleito rei nos campos de batalha pelos altivos portuguezes.

D'este modo, chamado pela força dos factos a melhores sentimentos, Afonso II compreende ser missão dos reis de Castela expulsar da peninsula os invasores que ainda a ocupavam e n'essa empresa prosegue, aliando as suas forças ás do Aragão e conquistando Almeria aos arabes com o auxilio de Berenguer IV, como para demonstrar que, embora não subjugadas por um só homem, as nacionalidades ibericas podem exercer uma acção comum se é um só o espirito que as anima.

1 É este o tratamento que Marcabrù lhe dá na já citada canção: Emperaire per mi mezeis.

E tanto esta verdade parecia manifesta que, apezar do desejo de unificar a Espanha, quando se terminou seu brilhante reinado e, por sua morte, se apagaram os resplandores d'aquela luz para o qual tanto tinha contribuido Berengaria, a rainha trovadoresca, que, cercada em Azeca, na ausencia de seu marido, pelos walis de Sevilha, Cordova e Valencia, tinha sabido esconjurar o perigo com uma arrogante frase, Afonso 11 não poz em pratica o que era consequencia necessaria dos seus passados planos de centralisação, não deixou seus Estados a um só filho, antes seguindo o antigo e tradicional costume, os repartiu entre dois, a Galiza, Leão e Asturias para Fernando, a Castela para Sancho e, depois do bem curto reinado de este, para Afonso III ou VII.

E, ainda durante a vida d'este rei as lutas entre as regiões ibericas se acenderam de novo. Depois da derrota de Alarcos, desastre lamentado em sentidissimas frases pelo trovador Fulco de Marselha no serventerio: Hueimais no i conosc razó, Afonso III, tomando como pretexto uma não provada traição de Sancho vi de Navarra, declara-lhe a guerra e, desforrando-se n'ele da desditosa sorte que tivera contra os mouros, ocupa as provincias de Alva e Guipuzcoa.

Assim iam os castelhanos dominando o territorio basco ao mesmo tempo que, ao oriente e ocidente, aragonesês e lusitanos mais e mais se subtraiam ao seu dominio; os portuguêses engrandecendo o seu territorio, os aragonêses conseguindo, por meio d'elrei D. Afonso II, libertar Saragoça da vasalagem devida ao rei de Castela, o que não impediu, claro está, quando o perigo ismaelita se tornou ameaçador, quando, ensoberbecidos com as vitorias, os arabes ameaçavam fazer retroceder os cristãos até ás Asturias e abrutas regiões do norte, todos de novo se unissem para afrontar a onda mahometana, hasteando

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as quatro bandeiras de Espanha a impulso d'um mesmo entusiasmo.

A Castela, a Navarra, o Aragão e Portugal foram um só exercito no campo de las Navas de Tolosa, lavrando com o seu esforço a mais brilhante desforra que podia sonhar o monarca castelhano.

Depois vieram os tristes sucessos das guerras da Provença e a derrota de Muret que arrancou aos reis de Aragão, Condes de Barcelona, quasi todo o dominio para alem dos Pirineus, ao mesmo tempo que de novo unificados os reinos do centro, pela cedencia de seus Estados, feita por Afonso Ix de Leão, Asturias e Galiza, a Fernando 1 de Castela, o santo, e conquistada Sevilha por este rei, se engrandecia o poder dos descendentes de Fernando o grande.

Unido o esplendor moral ao material, preludiados os primeiros acordes da sinfonia da lingua castelhana, promulgado, dentro do espirito do Fuero Juzgo, o Fuero Real e começadas pelo Rei Santo as Sete Partidas que Afonso x havia de acabar e promulgar, a primasia de Castela teria definitivamente ficado estabelecida n'aquela epoca, se, liberto pelo Cardeal de Benavento, Jaime I de Aragão não houvesse tomado em suas mãos possantes as redeas do governo dos reinos orientaes da peninsula.

Batalhador indomito e politico sagaz, homem de largas vistas, natureza ardente e espirito excepcionalmente culto, o filho de Pedro II, o ex-prisioneiro de Simão de Monfort, cheio de uma actividade variadissima e incansavel, de um patriotismo inexcedivel, de uma ambição tão grande como generosa, tinha toda a tempera d'esses homens geniaes e prodigiosos que só muito raramente aparecem para levantar um povo a grandes alturas e, como Alexan

dre na Grecia, Julio Cezar em Roma e Carlos v na Espanha, ele fez de cem feudos uma grande nação, criou a nacionalidade catală e fundou sobre um pedestal de bronze o poderio aragonez 1.

Escritor e guerreiro, a um tempo, como o Conquistador das Galias, ele soube narrar com penna singela e magestoso laconismo as proezas de sua espada, e, procedendo assim, fez mais do que deixar á posteridade um magistral e veridico documento historico, reuniu as belezas dispersas por todos os trovadores até ali existentes e têz nascer para as letras a lingua catală.

Militar infatigavel, homem que na luta pelo engrandecimento de sua patria encontrava a felicidade, as suas legiões vitoriosas, por ele capitaneadas, percorreram de triunfo em triunfo as terras de que se quiz apoderar, os reinos de Valencia e Murcia, as ilhas Baleares renasceram, sob seu sceptro, para a civilisação cristã, e, assim, graças a tanto esforço, ficaram unidas n'uma só todas as nações ibericas do idioma limosino.

Homem que, durante uma infancia angustiada e tormentosa, passara as longas horas do cativeiro e desterro procurando no estudo lenitivo aos pezares, a ciencia foi divindade ante cujas aras queimou perene incenso a sua vida, e, fundador das Universidades de Palma, Valencia, Perpignan, Montpellier e Lerida, a ele, ilustrado Messenas, deveram a vida espiritual os membros da numerosa pleiade das inteligencias esclarecidas de seu seculo e seguintes, a ele, as nacionalidades romanicas do oriente da Espanha a sua cultura.

1 Veja-se o excelente e volumoso trabalho de Tourtoulon : Jaime I.

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