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res, ac feles et domesticos canes, quos mulieres per vicos oppidilinteis, et longis, latisque; palliis venabantur comanducavere, e em que: nonnullae mulieres, cum peperissenet; rabie famis agitatae, utero suo continuo reddiderunt faetus.

E assim, vencedores dos inimigos do norte e do sul, acautelando-se dos do ocidente e procurando-os pelo oriente, a bandeira aragonesa se elevou mui alto ante o respeito da Europa; assim estendeu sua sombra pela Italia e entregue em mãos de marinheiros esforçados, foi senhora do Mediterraneo até ao ponto de, como em arrogante frase disse o vencedor da batalha do golfo das Rosas, o almirante Roger de Lauria, por suas aguas azues << nem um peixe podesse passar que estampado não levasse sobre o dorso o escudo das armas de Aragão ».

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Mais tarde, Pedro Iv o cerimonioso poude rasgar com seu punhal o Privilegio da União e fazer desaparecer d'ele tantos exemplares quantos houve á mão; alguns reis, esquecendo-se do que a si mesmo se deviam, poderam atacar por todos os meios as liberdades d'aquele país, berço da liberdade, mas emquanto esta obra não ficou completa, e seculos levou a completar-se - a acção benefica d'uma tradição bela fezse sentir; com os pulmões cheios do ar puro de uma atmosfera de dignidade, o povo que a grandes haustos bebia a mascula energia na posição privilegiada que o seu civismo soubera conquistar tinha o dever de ser grande soube cumprir esse dever, executar essa missão.

CAPITULO VIII

As letras na Catalunha

Com Jaime I inicia-se o movimento literario propriamente catalão dos seculos XIII e XIV, coincidindo como sempre succede com a maior grandeza e prosperidade do reino, que só os poderosos podem ter em seu seio artistas, os florescentes manter pleiades de poetas.

O regio fundador da Universidade de Lerida havia sido, qual antes se disse, literato ele proprio e fundador de escola, e homem de acção ao mesmo tempo que homem de pensamento, Ulisses e Aquiles n'um só corpo, deu este caracter a todas as suas obras e, encontrando-se isto de acordo com a indole do povo por ele regido, esta maneira de ser passou a todas as produções das letras de aqueles dois seculos.

Distinguiram-se os catalães em todos os tempos pela sua acometividade, actividade e iniciativa, mas, ao lado d'estas virtudes que os fizeram senhores do Mar Medio e hoje lhes dão invejavel lugar nas industrias e comercio peninsulares, brilhou sempre uma sentimentalidade profunda e rasgadamente hispanica, uma propensão para o maravilhoso, uma admiração pelo belo que muito os caracterisa, e sintese d'estas duas antiteses foram as suas letras.

Se ao lado de Jaime I e sua autobiografia aparece Desclot, com inimitavel prosa, escrevendo historia dogmaticamente verdadeira, surge logo Montaner, outro historiador, em cujas paginas a lenda floresce tropicalmente, e se, em tal epoca, Marsilio, Puigpardines e o proprio rei Pedro o cerimonioso são prosadores de merito, não os desmerece antes os vence a legião de poetas que os acompanha: Marfre Ermen

gaut, o monge quasi desconhecido, que no Breviari d'Amor, joia admiravel, lança a ideia primordial por Dante Alighieri aproveitada para a sua Divina Comedia; Arnaldo Vidal de Castelnóudaury, o auctor do poema Guilherme de la Barre; Domingos Mascó, o que fundou o teatro iberico com a tragedia L'Home enamorat y la Fembra satisfeta; o poeta de nome até hoje ignorado que escreveu a preciosa novela Flamenca publicada já em nossos dias por Paulo Mayer; e, por fim, todos os outros trovadores: Luis de Averso, Jaime March, Pedro March, Jaime Arnaldo, Jaime Febrer, Ramon Vidal de Besalú e tantos mais que, quer escrevendo, como o ultimo, um codigo da Dreita manera de trovar, quer indo buscar, como os dois primeiros, os germens dos Jogos Floraes de Tolosa para os introdusirem em Barcelona, sob a proteção de João 1 el amador de la gentileza, tanto trabalharam e tanto lutaram para conservar alteada a flor do sentimento entre homens dados ao negocio, entregues ao comercio e á especulação.

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E até nos sabios que tambem os teve aquela epoca se nota esta propenção para o supra-transcendente. Aqueles homens pareciam ter antevisto, melhor: ter compreendido, o que Novalis havia de dizer muitos seculos mais tarde, isto é que « todas as coisas, até as ciencias, podem ser tratadas misticamente, porque tudo quanto é elevado está em relação com o misticismo », porque até « a matematica pura é religião » e << os numeros são, como os signaes e as palavras, manifestações, representações

1 Veja-se a edição do Breviari d'Amor publicada no seculo passado em Beziers e a introdução e glosario que a acompanham devidos á penna de Gabriel Azais.

Kat'oy», porque «o verdadeiro matematico é entusiasta per se, e sem entusiasmo não ha matematicas», porque << uma singular mistica dos numeros existe tanto na natureza como na historia e... Deus pode manifestar-se na matematica tanto como em outra qualquer ciencia » e porfim porque « todo aquele que não abre com concentração de espirito um livro de matematica e o não lê como palavra de Deus, não o compreende » 1.

E assim todos os filosofos d'aquela epoca da historia de Catalunha foram misticos n'esta ordem de ideias, e desde Francisco Ximenes, o auctor da enciclopedia El Cristiano, até o profundo Raimundo Lulio, o criador da Ars magna, passando pelo heterodoxo, gnostico e atrevido inovador Arnaldo de Vilanova 2, todos tiveram em seus escritos algo que não é dado á multidão compreender, que para os homens frios, voluntariamente miopes criados na escola de Bacon de Verulam e seus discipulos, fica sistematicamente envolto em trevas, mas que para áqueles que estiverem iniciados nas paginas mais puras de Platão e nos neoplatonicos do Egipto, para os que houverem penetrado o espirito em que foi escrito o Timeo do filosofo a quem a antiguidade chamou divino, parecerá realmente admiravel.

Raimundo Lulio, singularmente, o galante trovador da Côrte d'el-rei D. João II que, desenganado das vaidades do mundo, veste o burel monastico para ir procurar, na solidão de um claustro ou ncs perigos da vida de missionario, o esquecimento da horrorosa impressão que lhe produziu ver horrendo cancro no seio de uma mulher formosissima a quem ele havia perseguido com suas assiduidades e que por fim lhe

1 Novalis, Fragmentos, pag. 86 e seg.

2

Menendes Pelayo, Hist. de los heterodoxos españoles, tom. I.

marca uma entrevista para n'ela lhe mostrar o repelente espectaculo da sua secreta doença, Raimundo Lulio, diziamos, destaca-se com colossaes proporções como mistico e como sabio, como filosofo e como erudito, no fundo de ouro de seu tempo. É uma figura de triptico, e é uma quimera, uma visão de pesadelo. Qual a de outro frade insigne, memorado nas cronicas portuguezas, Frei Gil de Santarem o introductor em Portugal da ordem dominicana, a vida do religioso catalão ocupa a de todos os outros homens do seu paiz e do seu tempo.

Ainda aqui mais uma vez se torna palpavel essa dualidade actuando entre as nacionalidades ibericas que não permite a existencia de um grande vulto n'uma d'elas sem ser acompanhada da de outro n'algumas das suas irmãs e que, pondo ao lado do defensor de Perpiñan o governador de Tarifa e o alcaide da Trafaria, irmanando os primeiros reis de Castela aos primeiros soberanos de Portugal, paralelisando Cristovam Colombo e Vasco da Gama, quer que junto ao dominicano portuguez se encontre o franciscano lemosino.

Um e outro levaram juventude dissipada cultivando as ciencias e as belas letras, e um e outro são chamados á vida penitente, á vida mistica, por um facto anormal. Raimundo Lulio é á vista da beleza escondendo em si a morte, que a tradição faz abraçar o monasticismo, Gil de Santarem é cursando as aulas da universidade de Paris e sendo atacado em propria casa, á volta de uma orgia, por um cavaleiro armado que pondo-lhe a lança ao peito o intima a converter-se, que essa mesma tradição faz seguir igual caminho. Procedentes ambos de identicas origens, ambos se destacam de entre os seus irmãos de habito, ambos são conselheiros de reis, intervindo, a um tempo, na vida publica e vivendo cenobitica

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