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nalista e descentralisador servia de fundamento á constituição do Estado, o povo hispanico nada mais tinha a fazer do que aplicar esse seu criterio aos novos territorios para livremente os deixar progredir e desenvolver, graças á iniciativa pessoal e local não coacta pela acção estioladora dos governos que em si absorvem todos os poderes.

E foi o que fez. A Espanha longe de considerar suas colonias qual terreno de exploração destinado a servir para o engrandecimento da metropole, olhou as sempre até que o cezarismo borbonico modificou esse estado de coisas como parte integrante do Estado, revestida de iguaes direitos e á qual se deviam aplicar as mesmas leis.

Facto reconhecido por Prescott, confirmam-no a existencia de milhares de povoações americanas que, fundadas pelos conquistadores, devem os primei ros tempos da sua existencia á absoluta autonomia administrativa de que gozaram, á liberrima maneira como elegeram e constituiram seus municipios, se gundo os tradicionaes usos vigentes na peninsula e sem a mais pequena intervenção do poder central

Transplantando para o Novo-Mundo a semente das velhas liberdades ibericas foi como a Espanha formou o seu imperio colonial, assegurando-lhes a mesmo tempo, a essas venerandas e caras liberdades a sua sobrevivencia na civilização futura.

Esses cabidos que, como reconhece um escrito argentino moderno, escolhidos entre os habitantes d um povoado, designavam seus successores sem inter venção da autoridade politica; exerciam a policia tinham a seu cargo a justiça correccional e de pri

1 History of the reign of Ferdinand and Izabella, part.

cap. IX.

meira instancia; se ocupavam do fornecimento de viveres; administravam os bens e rendas dos municipios; construiam hospitaes e templos; abriam ruas e praças publicas; cooperavam na defeza militar do territorio; tinham o direito de convocar o povo a cabido aberto afim de resolver casos extraordinarios; davam posse de seus lugares aos governadores, recebendo-lhes o juramento de lei; assumiam o governo politico em caso de ausencia ou impedimento do governador e representavam o povo em toda e qualquer gestão relativa ao poder local », esses cabidos, diziamos, que tantos poderes tinham e que tanto fizeram pela prosperidade da America espanhola, estavam destinados a originar as republicas federaes em que hoje se divide aquele continente.

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Assim pensam, assim opinam publicistas americanos de reconhecida auctoridade 1, como são Ramos Mejia e o diplomata e politico D. Vicente Quesada 2, que vêem n'estes livres municipios a origem do selfgovernment das nações neo-latinas, e, n'estas tradições, profundamente arraigadas na America espanhola, a razão da declarada antipatia com que em Buenos-Aires foi recebido o regime unitario e a causa de que as principaes republicas do novo continente, repelindo o unitarismo francês, forma exotica brigando com o que morfologicamente já, se encontra impresso nos caracteres da raça, adoptassem a forma federal.

Mas, testemunho decisivo n'esta questão, é sem duvida por tratar-se de um homem de raça diferente e de indiscutivel competencia o de Gaylord

1 El Federalismo Argentino.

2 La sociedad hispano-americana bajo la dominación española, introducion.

Bourne, professor da Universidade de Yale na America do Norte.

Se Espanha carecesse ainda de que fosse feita justiça á sua obra colonisadora, veria os seus desejos satisfeitos com os recentes trabalhos por este catedratico publicados sobre a acção espanhola no NovoMundo 1.

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a um tem

N'eles se reconhece que os espanhoes deixaram em toda a America provas de perseverança, de acerto e de boa politica. Não só foram menos crueis, menos desapiedados, menos orgulhosos com os indios que os inglezes e francezes seus contemporaneos, mas tambem muito mais humanos que todos os europeos que hoje se dedicam á colonisação da Africa. O procedimento de Espanha na America, diz este auctor, oferece um dos mais assinalados exemplos po-do que pode a descentralisação e do que vale a transmissão da cultura pelo dominio soberano, preferivel cem vezes ao exercido em particular por grupos de emigrantes movidos por impulso proprio, como se deu com os inglezes que arribaram aos Estados Unidos. Os indios mereceram sempre o mais paternal desvelo ao governo de Castela; quanto aos escravos negros, entende Gaylord Bourne, que o estudo comparativo do tratamento que se lhes dava nas colonias espanholas e do que recebiam nas inglezas e francezas, prova que o regime espanhol da escravidão era muito mais suave, quasi paternal, como o prova o costume, até ha poucos annos existente, de servirem os patrões de padrinhos no batismo de seus escravos, dando-lhes então o proprio apelido, o ape lido que eles, patrões, usavam, e que, como se a mesma familia pertencessem, passava a estar vincu

1 Spain in America. New York, 1904.

lado àqueles que eram apenas miserandos seres privados da liberdade. Superior tambem considera este escritor a Recompilação das leis das Indias, monumento notabilissimo da arte de reger os povos; superior, igualmente, o que motu proprio se decretou em outras partes da America, porque e esta é a afirmação mais notavel de tal livro « Espanha procurava, por todos os meios, adaptar ás colonias o seu proprio regime administrativo..., e talvez pareça surpreendente saber que a causa fundamental da revolução nos Estados Unidos foi a pretenção de estes a ter com a metropole as mesmas relações legaes de que gozavam o Mexico e o Peru com Espanha.»

Assim, se, como quer Fr. Luis de Leão, o homem em seus filhos se conhece» e as obras e os filhos son testigos fieles y mejores de toda excepcion de la grande virtud », é inegavel que a civilisação hispanica muito valia, pois tão grande se nos revela na sua obra maxima: a colonisação e civilisação da America.

Podem-se acumular diatribes; pode-se como tantos têem feito acusar de « obscurantista », «rotrograda », « fanatica », e não sabemos quantas coisas mais, a cultura que, fiel sempre ás suas premissas, ás bazes lançadas nos concilios de Toledo, presou sobre todas. as coisas a unidade religiosa e, por isso, cometeu «o crime» de a defender sempre, de defender o que constituia o segredo da sua força, contra todos os que, na epoca do apogeo do imperio espanhol, tinham grande interesse, com propagandas dissolventes, em introduzir no seu seio a guerra civil que assolava a Europa setentrional; mas contra as acusações e calumnias dos interessados inimigos das glorias ibericas, ahi fica um facto inegavel, indiscutivel: a prosperidade, civilisação e risonho futuro da Espanha de amanhã, d'essa Espanha de alem do Atlantico, constituida por

dezenas de nações, fortes na sua juventude, que a Espanha d'outr'ora, cavaleirosa, regionalista e cheia de fé, criou a seus peitos, acalentou em seus braços, e, para lhes dar a existencia, exgotou a vida.

1

Podem mencionar-se crueldades e abusos que não procuramos ocultar de turbas de aventureiros e de individuos isolados. Pode-se dizer que o ouro ultramarino foi fatal para a nação que o descobriu, e, pensando na solidão em que ficaram os agros de Castela depois do exodo das multidões dirigindo-se para o Novo-Mundo, exclamar com Cabanyes, o malogrado poeta catalão:

Tú viste ufana el temerario arrojo
de tus hijos; oh Hispania!

Tu de sus manos recibiste altiva
la corona de America...

¡Joya fatal! jamás te ornara ¡ oh madre !
Y en extranjeras márgenes,

de tu seno arrancados, no murieran
por la flecha del indio,

yoh dolor! por la espada de Toledo

tus malogrados jovenes :

no en daño tuyo las peruanas sierras
en raudales mortiferos
del ansiado metal, rios brotaran
que tus campiñas ópimas
convirtiendo cual lava abrasadora

en desiertas, em áridas,
corrieron à engrasar extrañas gentes.

Tudo isto se pode dizer, e tudo isto é certo; mas tambem não o é menos que tantos males foram abundantes em resultados beneficos para a humanidade.

Tambem a morte serve para fazer germinar a vida, e se a Espanha se sacrificou, até á morte, pelas

1 Nota II, in fine.

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