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seus descendentes », e <em virtude d'esta vocação aprovada pelos povos, n'esta declaração de primeira instituição, lhe succedeu o sr. rei D. Duarte, e, acabando-se esta descendencia com o sr. rei D. João o 11, seu bisneto, entrou na successão o filho segundo do sr. rei D. Duarte, que foi o infante D. Fernando, por cuja cabeça o reino veio ao sr. rei D. Manuel, neto do dito sr. D. Duarte, e d'ele nasceu o infante D. Duarte, de quem foi filha a infanta D. Catarina, que se achava com a mesma vocação do infante D. Fernando, pae do sr. rei D. Manuel » 1. Por outro, posta de parte a ascendencia materna de Filipe 11,quando D. Jeronimo Osorio, bispo de Silves, homem cujas mãos ninguem se atreveu até hoje a dizer que houvesse manchado o ouro de Castela, escritor pulquerrimo a quem alguns, por suas obras monumentaes, chamaram o Cicero português, se decidia a escrever ao Cardeal-Rei para lhe afirmar o seu sentir, em tudo se revela um espirito superior.

Falava assim o bispo de Silves:

« Digo e afirmo a V. A. que cuidando muitas vezes n'este negocio, humanamente falando, não acho ao presente melhor remedio aos trabalhos e perigos d'estes reinos que serem unidos a Castela, pelas razões que direi. >>

...

<< Se el-rei D. Filipe quizer entrar no reino por força, não ha poder na terra que lh'o defenda, escusadas são proezas de palavras onde as verdades são tão sabidas; o dinheiro está em Fez; capitão para tão grande efeito não o vemos; soldados praticos não os ha... para maior fraqueza do reino intenda V. A. que ha n'ele divisão, e nas reliquias

1 João Pinto Ribeiro: Loc. cit., idem.

do resto que escapou não está a concordia tão certa como alguns por ventura cuidavam. »

...

«Se os francêses nos vierem a socorrer, quem nos defenderá dos mesmos francêses? Se roubam aos seus naturaes, como perdoarão a estrangeiros? Se com a profissão de corsarios lhes não temos vida, que faremos se com titulo de amigos entrarem em Lisboa para fazerem um saque tão desejoso de todos eles?... Dir-me-ão que não farão isso francêses, antes se deixarão ficar se assim for; bem aviado estará Portugal debaixo da tirania de tão insolente gente nas vitorias. »

...

<< Seremos sujeitos a castelhanos? Sajeitos, não, unidos sim. Portugal pode ficar com o seu primor inteiro, e Castela com o seu, e sendo as forças juntas a discordia cessará, e toda a contenda será sobre quem fará melhor o seu oficio em serviço de Deus e d'el-rei. >>

Estes conselhos foram ouvidos, e com Filipe II de Castela, I de Portugal, chega a Espanha a todo o apogeo da grandeza.

A espada do Duque de Alba desbaratando facilmente em Alcantara as forças que, conjunctamente com alguns mercenarios estrangeiros, comandava o Prior do Crato, trouxe ao filho de Carlos v a coroa que, arrancada prematuramente pela morte a um mancebo generoso, rodára pelos campos em AlcacerQuibir, e assim se veio a aumentar, ainda mais, um imperio onde o sol já se não escondia.

Assim, ficando o construtor do Escorial senhor unico de toda a America, desde o Mexico até á Patagonia, e de todos os oceanos, do Atlantico ao Pacifico, das costas do Mar Vermelho, todavia trementes da voz temerosa, dos ecos ainda mal apagados, dos feitos de Afonso de Albuquerque, até as ilhas oceanicas que os Balboa e os Del Cano haviam alcançado para a

coroa de Castela, chegou pelo aproveitamento das conquistas portuguêsas, a ser o monarca espanhol o mais poderoso de todos quantos até hoje tem visto o mundo.

Estava em seu apogeo o imperialismo. Carlos V fizera-se cognominar o Cezar e como tal procedera na Italia e outros pontos. A «sede de mandar, a vă cubiça» ardia em todos os peitos e, encaminhada para o engrandecimento material do territorio, n'esse sentido concentrava todos os esforços, sem reparar se enquanto o aventureiro saqueava os tesouros do Mexico, Lazarilho de Tormes não se atrevia a mendigar na capital da monarquia por medo de ser açoitado.

Mas, sendo assim com relação aos paizes extrapeninsulares, de tal modo estava arraigado o sentimento da justiça que preside ao regionalismo hispanico, tão profundo era ainda o respeito que mereciam aos imperantes as liberdades ibericas, que o filho d'aquele catolico soberano que, para poder estabelecer o seu dominio na peninsula italica, não duvidára em aprisionar no castelo de Saint-Angelo, sob a vigilancia de Hernando de Alarcon, marquez de la Valle Siciliana, ao proprio Pontifice Clemente VII, não se atreveu, ou antes não quiz, tendo em suas mãos todos os meios para o fazer, empregar contra o pequeno reino de Portugal, recem-vencido, dizimado, pobre e inerme, aquele processo que de um modo tão grafico expressa Tacito dizendo: ubi solitudinem faciunt, pacem apellant.

O que contra os flamengos, italianos ou francêses não teria havido escrupulo em pôr em pratica, não poude ser feito contra os que eram irmãos pela mesma origem de que procediam, pelo mesmo territorio que habitavam.

D'este modo, recolhendo, como herança do car

nhecidos a todas as nacionalidades ibericas no momento da sua integração na unidade peninsular, baseára a sua politica n'um gradual e talvez inevitavel esquecimento da importantissima ideia de que todos e cada um dos seus reinos era um corpo livre, e se esta conduta podia ser suportavel para povos que

quites com protestar sempre, com protestar até hoje se haviam costumado a obedecer a um rei que, embora seu, de longe lhes mandava, era de todo intoleravel para uma nação que da independencia passava em curtos annos para a escravidão.

Assim, a pezar da relativa benignidade do rei que, não obstante os gravissimos tumultos que originou Antonio Perez no Aragão, não aproveitou tal ensejo para destruir as leis privativas d'aquele reino que tanto o molestavam, sendo assim que, ao castigar com mão forte as cabeças do movimento e ao enviar o justiça D. Antonio de Lanuza e seus companheiros ao cadafalso bem o podia ter feito; a pezar do sincero respeito pelas prerogativas nacionaes que Filipe II sempre demonstrou e até do especial cuidado que dedicou ás coisas de Portugal interessando-se por emprezas tão magnas qual a da realisação pratica da navegação do Tejo, de Toledo a' Madrid, estudada e planeada pelo engenheiro Antonelli; não foi possivel que seus successores o imitassem continuando-lhe a obra.

De dia em dia se enraizavam mais as ideias ceza

ristas na peninsula. Á medida que o espirito pagão da Renascença se apoderava dos animos, os reis iam-se julgando superiores ás leis; o regalismo, inovação perigosa classicamente renascente, inchava o orlho dos monarcas levando-os a suporem-se, como

ores romanos, revestidos de um poder Le os colocava a inverosimil altura sobre as, e d'este modo, faltos do freio, que o

de opressão dos povos pela força e de ataques ao direito e á moral social. Fazia-se livremente reconhecendo a cada uma das altas partes contratantes todos os seus direitos, todas as suas regalias e todos os seus privilegios, e, se com relação a Portugal, houve derramamento de sangue, a escaramuça não se deu entre os soldados do duque de Alba e o povo português que se se quizesse opôr aos designios de Filipe II podia-o ter feito em sublevação geral qual a de 1640 mas entre as forças do procero espanhol e as do bastardo do infante D. Luiz, homem de minguada estatura para poder ostentar a representação de portuguêses, patriota assaz dubio que, mercadejando a cedencia dos seus direitos com o governo inglez, mal podia ter autoridade moral para merecer as honras da beligerancia.

Assim tendo por base essa liberdade que, como diz Andrade Corvo, « tende unir os povos pelas relações de uma desinteressada fraternidde e não pela concentração do poder; não por essa unificação que destroe a actividade e mata a iniciativa dos cidadãos, que nivela tudo e todos para melhor conseguir a união material, a união pela força e pela ilimitada acção da auctoridade central », a federação hispanica podia ter perdurado, embora todas as coroas de seus estados estivessem sobre uma só cabeça, com a completa independencia de cada um dos seus membros.

Infelizmente, isto, que teria sido possivel um seculo antes, já o não era então. Nos dois reinados precedentes tinha-se engrandecido muito o trono. Desde as suas estonteantes alturas estabelecera uma corrente de olvido e de despreso pelos direitos reco

1 Andrade Corvo, Perigos (Lisboa 1871), cap. XLIV.

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