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nhecidos a todas as nacionalidades ibericas no momento da sua integração na unidade peninsular, baseára a sua politica n'um gradual e talvez inevitavel esquecimento da importantissima ideia de que todos e cada um dos seus reinos era um corpo livre, e se esta conduta podia ser suportavel para povos que quites com protestar sempre, com protestar até hoje se haviam costumado a obedecer a um rei que, embora seu, de longe lhes mandava, era de todo intoleravel para uma nação que da independencia passava em curtos annos para a escravidão.

Assim, a pezar da relativa benignidade do rei que, não obstante os gravissimos tumultos que originou Antonio Perez no Aragão, não aproveitou tal ensejo para destruir as leis privativas d'aquele reino que tanto o molestavam, sendo assim que, ao castigar com mão forte as cabeças do movimento e ao enviar o justiça D. Antonio de Lanuza e seus companheiros ao cadafalso bem o podia ter feito; a pezar do sincero respeito pelas prerogativas nacionaes que Filipe II sempre demonstrou e até do especial cuidado que dedicou ás coisas de Portugal interessando-se por emprezas tão magnas qual a da realisação pratica da navegação do Tejo, de Toledo a Madrid, estudada e planeada pelo engenheiro Antonelli; não foi possivel que seus successores o imitassem continuando-lhe a obra.

De dia em dia se enraizavam mais as ideias ceza

ristas na peninsula. Á medida que o espirito pagão da Renascença se apoderava dos animos, os reis iam-se julgando superiores ás leis; o regalismo, inovação perigosa classicamente renascente, inchava o orgulho dos monarcas levando-os a suporem-se, como os imperadores romanos, revestidos de um poder espiritual que os colocava a inverosimil altura sobre todas as coisas, e d'este modo, faltos do freio, que o

cristianismo impozera aos magnates, destruida em suas bases seculares a maneira de ser hispanica, desfeito o que o Fuero Juzgo fizera, tudo se encaminhava para a decadencia, resultado inevitavel e necessario da traição que se fazia ás leis inalteraveis da civilisação iberica 1.

E se este movimento se não precipitou, se muito lentamente foram progredindo os principios da monarquia absoluta que iniciados no seculo xv só chegaram a seu termo a fins do xvII e principios do xvIII, é porque, arraigado como estava o espirito cristão na nossa maneira de ser, não era possivel não já destruir mas, sequer, anestesiar o que estava no sangue, o que estava na alma de portuguêses, castelhanos, navarros, aragonêses e catalães.

Filipe II, não querendo transferir para Lisboa a capital de seus Estados unificados, caíu em grave erro. Faltou assim a um dos mais importantes conselhos que as paginas do Principe-verdadeiro breviario dos magnates de tal época - encerram em seus capitulos; privou-se voluntariamente de consolidar uma amisade que, revelando-se em festas gran diosas, mensagens de municipalidades e classes, de dicatorias de livros - digam o que queiram os fac ciosos chegou a existir em Portugal para com o monarcas da casa d'Austria; e, o que é peor, privo seus herdeiros, destituidos em absoluto dos altos do tes de estadista, do olhar de aguia que possuia o fi lho de Carlos v, de poderem ter por Portugal o cui dado preferente de que era digno e que lhes mere ceria se aqui se houvessem encontrado, se aqui hou vessem residido, se aqui houvessem nascido.

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Esta falta foi origem de muitas outras. Morto Fi

1 Nota IV, in fine.

lipe I foi como se um seculo de decadencia tivesse caido sobre as Espanhas. Do momento em que o Solitario do Escorial lançou o ultimo suspiro áquele em que Filipe III tomou conta da corôa, sem que nada se desse, foi como se um aluvião de desastres se tivesse precipitado sobre a peninsula. Era demasiadamente pesado o cetro do maior imperio do mundo para que outro pulso que não fosse o do homem que representa o maximo da grandeza espanhola o podesse sobrelevar.

Morto Filipe II todos os Estados hispanicos se resentem e Portugal segue a sorte comum.

Datam de então todos os verdadeiros agravos que João Pinto Ribeiro poude depois, muito justamente, lançar em rosto a Filipe IV 1.

Impostos injustos posto que não votados pelas côrtes; despreso absoluto dos interesses das colonias portuguêsas; concessão de titulos e senhorios lusitanos a pessoas para Portugal estrangeiras; leva de portuguêses para Flandres; menospreso dos direitos das classes; desconsiderações aos municipios; introdução no Conselho de Portugal, que conjuntamente com o Conselho de Castela, Conselho de Aragão e Conselho de Indias - funcionava ao lado do monarca, de pessoas que por não serem portuguêsas a ele não podiam pertencer, tantos foram, entre outros muitos particulares, os agravos que a nação lusitana recebeu do cezarismo, durante o reinado de Filipe II de Espanha, II de Portugal.

Apartava-se cada vez mais a monarquia hispanica dos principios que lhe davam razão de ser. Cada anno que passava era como pá de terra que se ia lançando para o fundo da cova em que, amorta

1 Nota V, in fine.

lhada e cataleptica, se encontrava, viva e indefesa, a liberdade iberica.

concentrava-se

No tripudiar dos cortezãos, entre as intrigas e lisonjas dos palacianos iam-se afundando as grandezas e as esperanças dos povos mais livres que viu a Europa; a vida nacional, abusiva e funestamente, nas ante-camaras reaes, e, ali, era entre os risos escarninhos e alvares de fidalgos, tão emproados como ôcos, onde a coroa de Aragão era rebaixada depreciativamente a coroasinha (coronilla) e onde, olhados desdenhosamente, de pés á cabeça, os vencidos de Alcacer-Quibir que iam a Madrid manifestar a sua indignação veemente ante os abusos cem vezes repetidos, se dictavam cinicamente as ordens de recrudescer nos vexames, se forjavam instruções de perseguição sistematica a tudo quanto era português, a tudo quanto era catalão, a tudo quanto era regional, atingindo maximo desaforo em despachos em que, impudicamente, se preceituava: << enganem-se os proceres de Portugal»; « cavalguem-se as damas portuguêsas ».

O maquiavelismo real havia atingido o seu desideratum as regiões, as nações livres e respeitadas outr'ora estavam reduzidas á categoria de provincias; a peninsula era um corpo monstruoso de membros definhados pela falta do sangue que se ia acumular não n'uma cabeça mas n'um estomago voraz, insaciavel; a Espanha era um ser unico na criação, um autofago que para viver se matava, que se alimentava da propria destrucção e onde uma só coisa se erguia quando tudo havia perecido, onde um unico orgão era feliz semeando a morte em volta de si, onde só imperava, prospero na decadencia, vivo entre os mortos, a figura odiosa e repelente

D'EL-REI.

Cegos pela paixão não viam aqueles ignaros, não

viam aqueles orgulhosos que tudo aconselhaya o retroceder imediato ás tradicionaes instituições de descentralisação e liberdade. Em vão as armas espanholas que, vencedoras na Italia e em Flandres, vencedoras em San Quentin e vencedoras em Lepanto, haviam assombrado o mundo, eram obrigadas a capitulações vergonhosas; em vão, centralisada a vida patria e, por consequencia, enfraquecidas as remotas partes constituintes da monarquia, os territorios tão dificultosamente conquistados se desagregavam e perdiam; postos os olhos dos validos na benevolencia do soberano e fixa a atenção do principe no seu auto-engrandecimento, que importavam derrotas, que importavam perdas de riquissimas regiões se el-rei se podia cognominar Grande, se ante a Excelencia do ministro todos os aulicos se curvavam?

Desvairados pela sua dementada vaidade os governantes de Espanha não paravam na carreira empreendida. Os primeiros insuccessos de seu funesto centralismo nada lhes ensinou; estavam em principio ainda amontoando desgraças sobre desgraças e, como impelidos por signo euripidiaco, tinham de recorrer todas as estações obrigadas da via dolorosa da decadencia para só se deterem, assustados, ante as ignominias ainda não cicatrisadas de Santiago de Cuba e Cavite, ante as vergonhas da rendição da Havana e do tratado de Paris.

Morto Filipe III ainda novos desaforos estavam por vêr. Seu successor, Filipe Iv, aquela cara de imbecil exangue que no Museu do Prado se patenteia á posteridade, amarrado á tela, por imortal pincel, como á picota de vilipendio um réo de muitos crimes, tinha as qualidades necessarias para ser um mau rei. Entregue nas mãos do Conde-Duque de Olivares, inepto e orgulhoso, foi-o de facto.

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