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francêses, lhe não poupam 1, separada hoje do resto da França por grave questão economica que, pondo frente a frente os lavradores do sul e os industriaes do norte, ensanguentou em 1907 algumas cidades do meio dia, dando lugar a que, a pretexto do problema vinicola que desespera multidões famintas, se fizessem afirmações categoricas de nacionalismo provençal, uma ideia que faz empalidecer muitos vae abrindo caminho entre as turbas; de tal modo as cabeças meridionaes dos filhos d'aquela terra brunida pelo sol se sentem impressionados pelos canticos entusiastas dos bardos evocando com inspiração e ardor as epicas, as gloriosas, as inolvidaveis lendas do passado!

CAPITULO IV

O regionalismo literario em Espanha

Entretanto no oriente da peninsula dava-se um movimento semelhante ao da Provença.

N'uma terra onde um centralismo de dois seculos não conseguiu esmagar a individualidade dos antigos reinos; onde, nas regiões euskaras, se guarda no cume de montanhas cobertas de neve e sob a folhagem espessa de arvores sagradas o deposito sacrosanto de tradições de liberdade; onde, na Catalunha, se recorda ainda em historicas canções o sangue derramado e as mortes cruentas causadas pela guerra civil que provocou a politica liberticida do ultimo Austria e do primeiro Borbon; e onde, por fim, imperando parlamentarismo e liberalismo, continuaram as provincias sacrificadas como antes para atender ás

1 Nota I in fine.

exigencias insaciaveis do governo central, não podia deixar de ter repercução o movimento do sul da França, que tão bem correspondia aos sentimentos de povos escravisados por administração centralisadora.

A Catalunha que nos primeiros seculos de existencia como nacionalidade, sob o reinado benigno dos condes de Barcelona, recebeu da Provença a poesia, os trovadores e a instituição dos jogos floraes, dando-lhe em troca seu inapreciavel espirito democratico; a Catalunha que sempre se encontrou moralmente mais proxima de Marselha que de Madrid, de igual modo que a Provença se sente mais perto de Barcelona que de Paris, comoveu-se profundamente com as canções de Mistral.

As notas vigorosas da lira dos felibres repercutiram no coração dos catalães; as palavras do auctor de Mireio:

Sian tout d'ami, sian tout di fraire,

constituiram uma revelação. Os cadenciosos versos:

Tout enfantoun amo sa maire,
Tout anceloun amo soun nis,

afigurou-se-lhes uma evocação da patria morta.

Fazendo-lhes recordar e comparar com o presente os seus tempos de gloria, aqueles em que seus antepassados viveram antes que um rei houvesse disposto de sua soberania, inflamou-lhes no peito, ainda mais vivo, o fogo que animava seus irmãos de alem Pire

neus.

Reviveu n'eles a alma da antiga nação catală quando ouviram os primeiros poetas da renascença literaria cantar em sua lingua suas antigas glorias, e o entusiasmo em breve os levou a entoar nas ruas

de Barcelona a canção dos Ceifeiros 1, o seu grito de guerra: Catalunya trionfant, tornará a ser rica e plena!

Como os provençaes haviam sido os catalães, durante os tempos medios, um dos povos mais poderosos do ocidente, dominando em todos os territorios onde se falava a lingua romanica, do cabo Creus ao de Palos, e em todas as aguas mediterranicas desde as margens ibericas até aos confins da Grecia. Como os provençaes, haviam brilhado por sua ciencia e belas letras, representadas por trovadores e eruditos que, em tão remotos tempos, fizeram um vergel de poesia e de saber de todo aquele maravilhoso territorio que se estende desde a cidade do Turia ao fundo do bispado de Urgel. Como os provençaes, viram os catalães perdida a sua independencia depois d'uma serie espantosa de conflitos interiores que pouco a pouco mataram nacionalidades tão grandes, e, como os provençaes, assistiram porfim á morte lenta de seus foraes, privilegios e liberdades, viram cada dia menos atendidas suas Côrtes e ir-se perdendo lentamente o espirito de região, até receber o ultimo golpe que lhe deixou apenas uns vestigios do que havia sido a sua antiga constituição, vestigios que a revolução liberal, simia imitadora do unitarismo e centralismo francês, lhe acabou de roubar.

Como na Provença, portanto, havia na Catalunha razões que servissem para impôr uma renovação.

E como, com esta agitação latente, coincidiram os progressos verdadeiramente notaveis da industria català que, fiel sempre ás tradições laboriosas e comerciaes da raça, cobriu a cidade condal com a corôa de fumo de suas fabricas, e expandindo-se terra a den

1 Los Segadors.

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tro, fez ouvir a orquestra do trabalho cida em outras regiões peninsulares em todas as cidades do principado, em Mataró, Sabadell, Villanueva y Geltrú, Sitges e todas as vilas fabris e mercantis que, contemplando-se no espelho do mar latino, parecem transportar o espectador ás margens do Tamisa e do Scalda, este facto que vinha dar ás regiões levantinas uma vida e um vigor que as provincias centraes e meridionaes da Espanha estão longe de ter, aumentou a separação cada dia mais visivel entre a Catalunha e algumas das outras regiões, acumulando rivalidades, odios e interesses contrarios que só esperavam o calor fecundante d'um grande movimento intelectual para fazer explosão.

Este movimento impunha-se pela grande tempestade de ideias que, agitando toda a Europa do seculo xix, não deixou um unico logar por escondido que fosse que não movesse e onde, entrando violentamente, não renovasse o ar. Impunha-o a historia grandiosa da nação catală e o misero estado em que se encontrava nos primeiros annos do seculo passado.

Não podia permanecer improgressiva a que tinha sido mestra de progresso; não podia furtar-se á intelectualidade a que em tal terreno havia sido a primeira.

A Catalunha oferecia ao mundo triste espectaculo. << As suas grandes tradições de gloria, como diz Victor Balaguer; a sua marinha, senhora e rainha do Mediterraneo; os seus condes-reis e seus reis imortaes; as suas instituições politicas, as suas leis e constituições que, sendo essencial e eminentemente monarquicas, eram copiadas e escolhidas como modelo pelas republicas mais avançadas; o seu codigo maritimo,

1 Discurso de recepcion en la Real Academia de la Historia.

primeiro e unico no mundo; as suas Côrtes celebres na historia parlamentar; os seus Municipios, famosos na historia das liberdades publicas; as suas emprezas ultramarinas, recordadas em cronicas maritimas e em historias militares, e a sua adiantada civilisação de imprescindivel memoria na historia dos progressos humanos; a sua literatura, acatáda por alguns como mãe, por todos como mestra; a sua lingua, vulgarisada por intrepidos nautas nas regiões mais remotas da terra e cultivada como literaria pelos varões de mais alta ciencia; as suas artes, seus oficios, toda a sua industria, todo o seu comercio em todos os mares e com todas as nações conhecidas; seus gremios, modelos de associações; seus homens ilustres, seus navegadores audases; seus severos magistrados, custodios inflexiveis das leis; seus grandes capitães, tudo tinha desaparecido, tudo se havia esquecido. >>

A Espanha parecia não recordar-se de um de seus titulos de nobreza: as glorias de Catalunha; a cultura europeia, a cultura mundial, parecia ter olvidado um dos seus factores importantes: a civilisação catală.

Era um absurdo e os absurdos não duram.

Enquanto não chegava a hora de se erguerem os poetas que fizessem vibrar as multidões incutindo na alma popular o amor das antigas glorias, a veneração da velha patria, um erudito profundo, um d'esses homens cujas obras não chegam nunca a vulgarisar-se, mas que nem por isso as fazem menos valiosas e uteis, Antonio Campmany, o insigne auctor das já aqui citadas Memorias historicas sobre la marina, comercio y artes de la antigua ciudad de Barcelona, começava os seus pacientissimos e patrioticos trabalhos de investigação e critica e, publicando-os em 1779, conseguia, ao findar o seculo xvIII, que se não rompesse a sequencia historica, que Catalunha

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