Imágenes de páginas
PDF
EPUB

o espirito da idade media '... Sem querer justificar o seu dominio, pode dizer-se que eles (os Papas) foram levados a apoderar-se do poder supremo pelas circumstancias em que se encontrava a Europa nos seculos XI e XI. A sociedade europeia sem leis, sepultada na inorancia e anarquia, tinha-se lançado nos braços dos Papas e julgava que se colocava sob a proteção do ceu. Como os povos não tinham outra ideia da civilisação senão a que recebiam da religião cristã, os Summos Pontifices encontravam-se naturalmente arbitros supremos das nações. O poder temporal tinha necessidade da sua sancção, os povos e os reis imploravam seu apoio, consultavam suas luzes, e eles julgavam-se autorisados a exercer uma dictadura universal. Esta dictadura exerceu-se muitas vezes em proveito da moral publica e da ordem social; muitas vezes protegeu o fraco contra o forte; suspendeu a execução de projetos criminosos; estabeleceu a paz entre os estados; salvou a sociedade nascente dos excessos da ambição, da licença e da barbarie. »

« Os grandes do reino diz Bernardi 2, ao tratar da forma de colocar sob o jugo das leis aqueles que em todos os tempos e especialmente na Idade Media queriam furtar-se a ele eram d'uma indocilidade extrema; com dificuldade se submetiam ás leis da obediencia... Para se firmarem no trono (e estabelecerem o principio da autoridade no meio de tanta anarquia) e se garantirem dos insultos a que estavam constantemente expostos, os reis foram obrigados a lançar-se nos braços dos eclesiasticos, entre os quaes encontraram pessoas mais esclarecidas e mais submissas. Os seus conhecimentos eram uteis a todos os ramos da administração em que foi necessario emprega-los... De todas estas circumstancias nasceu a reputação de que o clero gosou desde os primeivos instantes da fundação das

1 Estas palavras de Michaud, evocam outras de De Maistre : <o maior de todos os sofismas, diz o ilustre defensor do Pontificado, consiste em transportar um sistema moderno para os tempos passados e julgar com este criterio as cousas e os homens d'essas epocas mais ou menos afastadas. Com esse principio revolucionarse-ia o mundo, pois não ha instituição estabelecida que se não podesse destruir pelo mesmo meio, julgando-a por uma teoria abstracta. (Du Pape, liv. 11, cap. IX).

2 Bernardi De l'origine et des progrès de la legislation française.

monarquias da Europa, a inspecção que se lhe deu os julgamentos civis e o uso das penas canonic unicas que podiam impor-se, a quem afrontava todas

tras. >>

Em consequencia, ouvidos todos estes testemun notando de passagem, com Santos Abranches ', ilust nonista e erudito historiador, que «durante nové sec Igreja apenas depôs nove monarcas e só no seculo revoluções destronaram quasi o dobro», parece-nos concluir esta exposição de opiniões, fazendo nossas lavras do cardeal Mathieu: 2

« Ninguem hoje contesta que a Igreja romana é dos povos modernos; que os recebeu em seu seio e o duziu para a vida social; que os seus pontifices me por este titulo o nome de paes e fundadores de todas ciedades cujas luzes, civilisação e costumes fazem a d'estes ultimos tempos. Será para admirar, portanto, Igreja, depois de ter operado, com o preço de tantos ços e trabalhos, essa longa geração das nações mod presida á sua educação, dirija a sua infancia, inst sua juventude, tome cuidado da sua felicidade temp dos seus destinos terrenos com toda a solicitude de Se taes cuidados merecem algum reconhecimento, es conhecimento não deve surpreender-nos.

« Deixemos, pois, que as nações, salvas pela Igre mana das mãos dos barbaros, se reunam em volta como uma grande familia, escutem a sua palavra co peito, a invoquem para decidir questões, lhe con cuidado dos seus mais caros interesses e se refiran como á autoridade mais elevada e maternal. Consi que peçam ao Papa o reconhecimento e a consagraç seus direitos, que provoquem a sua intervenção na xas, que reis inimigos o tomem por arbitro, que rec o povo com o seu rei, preceituando-lhe obediencia, com o povo, prohibindo-lhe a opressão. Tudo isto senão a consequencia inevitavel dos beneficios da I a aplicação natural do direito comum. E se, trata de questões que interessam sumamente os bens, a

1 Santos Abranches: Fontes do direito eclesiastico guez, Coimbra 1895.

2 Cardinal Mathieu : Le pouvoir temporal des Papes fié par l'Histoire.

e a fé, o adulterio se torna um escandalo, a injustiça uma usurpação consumada, e o erro uma heresia teimosa, então que Pedro se levante e tome a espada posta em suas mãos para ferir, punir e separar. A sociedade inteira assim o exige, porque já de ha muito conhece a prudencia e a justiça d'esse tribunal supremo, porque acha muito natural submeter questões de direito e consciencia, que tambem dizem respeito á ordem temporal, áquele que considera como arbitro supremo e orgão sempre fiel da virtude, da justiça e da verdade. »

PRIMEIRA PARTE

Nota I. A lingua catala-provençal (pag. 170). — Esta lingua a quem, em boa critica e empregando o nome usado pelos trovadores, denominam romana ou romano-provençal; outros catalã-provençal, como fez Nostradamus; os espanhoes simplesmente catalã e os francêses simplesmente provençal ou seja o mesmo nome que lhe deu Dante ; — lingua a quem Paul Piferrer quiz chamar romanisada e muitos cognominam lemosina por ter dito Arnaldo Vidal, um dos antigos troubadours, que o lemosi, dialéto d'este idioma, era o mais proprio para a poesia; occitanica (de oc e citara) como desejam alguns criticos, e lingua de oc como a designaram nos tempos medios para a distinguir da lingua do si ou italiana e da lingua de oil ou francesa, este idioma, sob todas as denominações, foi e é sempre, a pezar da diversidade de nomes e da diferença de pronuncia de um ponto para outro, um unico, proprio não só da Provença e da Catalunha, mas do Rosellon, Auvergne, Conflent e Vallespir na França e de Valencia e ilhas Baleares na Espanha.

No seculo tx este idioma encontrava-se na infancia; nos documentos redigidos na Provença no latim barbaro, comum a todos os povos que haviam sido provincias romanas, ha locuções catalãs e frases inteiras que, embora latinisadas, demonstram a existencia de uma lingua original que, datando de muitos seculos, e tendo acabado de receber a ultima transformação, se prepara para sacudir o jugo d'uma linguagem oficial e apresentar-se soberana, independente.

N'essa epoca o latim era apenas, ou uma lingua culta que servia para a redação dos protocolos ou algo assim como uma confusa nebulose, variando de região para região, de onde haviam de saír os idiomas modernos. A primeira, bem longe contudo dos tempos de Cicero, era o idioma convencional das classes elevadas; a segunda a lingua romana, como lhe chamavam - servia para o povo e diferia tanto da outra que os prégadores para serem entendidos tinham de renunciar a falar liberaliter, isto é, em latim, para se expressar maternaliter ou seja no dialéto regional em que a lingua latina se havia transformado no oriente ou no ocidente da Espanha, no norte ou no sul da França, no setentrião ou no meio dia de Italia, conforme a influencia que sobre ele tinham tido as linguas autoctones, algumas das quaeso euskaro por exemplo — qual hoje ainda succede, não tinham chegado a desaparecer.

Variando e transformando-se, esta corrupção do latim tinha de chegar a constituir as linguas modernas, mas este movimento levou seculos.

Tendo começado ainda nos tempos aureos do esplendor de Roma — qual era natural que succedesse ao encontrar-se a lingua dos vencedores com a dos vencidos - só pouco a pouco se torna observavel, sensivel. Nos seculos ve vi a lingua liturgica da Igreja era ainda compreendida pelas populações hispanicas e gaulesas, e a lingua vulgar ou romance não diferia tanto de um povo para outro que, testemunhas da epoca o relatam, um espanhol e um italiano, falando cada um no seu latim corrupto, no-chamemos-lhe assim - seu dialéto, se não podessem entender.

Á medida que vão passando os annos, isto vae deixando de se dar: nos seculos VII e VIII o latim encontra-se singularmente esquecido de seus proprios cultores: em 742, disposições eclesiasticas determinam em Espanha, como é bem sabido, que os sacerdotes non faciant suas missas nisi portis cerratis, sin peiten decem pesantes argenti, e os diferentes romances cada vez se vão afastando mais do nucleo central a lingua romana, a nebulose primitiva, vae-se esfacelar e dar origem a mundos.

No seculo IX e x este trabalho já está feito com relação ao provençal ou catalão, graças ás condições especiaes d'aquelas regiões a quem os invasores barbaros ou arabes respeitaram tanto quanto possivel.

Enquanto ao norte, na Normandia, e ao oriente, nas Asturias, Galiza, Leão e Castela, pela fermentação de velhos elementos celtas ou pela adopção de termos arabes, o latim

[graphic]
[ocr errors]

barbaro paulatinamente proseguia na sua transformação (iniciada quanto á Espanha durante a hegemonia gotica) para, um ou dois seculos mais tarde, dar lugar aos primeiros monumentos das linguas francêsa, castelhana e portuguêsa; ao sul da França e ao oriente da Espanha pode ser observada a existencia d'um idioma já formado, onde, como prova Raynouard na Grammaire de la langue romane ou langue des troubadours e, especialmente, nos Elements de la grammaire romane avant l'an 1000, nem a sintaxe, nem o vocabulario, nem a ortografia tem nada de comum com o latim.

Este idioma, ao qual, para maior comodidade do nosso ponto de vista, no decorrer do livro chamamos catalão, procedia de um antigo dialecto turano-semita a quem a lapide de Ampurias (citada no texto dos Prolegomenos) se refere, chamando-lhe « lingua do paiz» e de quem nos fala Luitprando, dividindo-o arbitrariamente em dois idiomas catalão e valenciano quando a verdade é que constitue

um só.

Esta linguagem primitiva nunca deixou, ao que parece, de ser falada mesmo durante o dominio romano, mas, por ele modificada, adulterada um pouco pelo godo e pelo contáto com os invasores musulmanos, aparece como idioma sui generis, aonde a antiga influencia fenicia e cartaginesa só se revela por algum vocabulo, muito tempo suposto de origem hebraica ou arabe, e onde os vestigios das fórmas literarias classicas não existem ', o que não o impede, tempos depois, de ser tão rico, tão variado, tão cheio de expressões cultas só usadas pelos trovadores, que facto unico! muitos filologos, examinando os manuscritos do seculo XI e XII, chegaram a emitir a opinião, hoje posta de parte, de se não tratar de uma só lingua, mas de duas: uma culta e artificial, feita pelos poetas para as suas rimas, e outra popular, natural, verdadeira, muito simelhante á que hoje se fala.

Monumentos d'este idioma, dos mais antigos até hoje

1 Vejam-se: Magin Pers, Historia de la lengua y de la literatura catalana; A. W. Schelegel, Sur la langue provençale; Victor Balaguer, Historia de Cataluña e Los Trovadores; Raynouard, obras citadas; Alard, Documents sur la langue catalane (Revue des langues romanes, tomo III); Milá y Fontanals, De los trovadores de España.

« AnteriorContinuar »