Imágenes de páginas
PDF
EPUB

duas nações belligerantes, a ruina total de uma d'ellas,-a vencida. E mais, não só affecta os dois povos em armas; affecta os neutros; porque a guerra, movendo importantes forças militares, desvia milhões de homens das occupações productivas; e o receio, o temor das grandes conflagrações, que podem surgir a todo o instante, pois assim o fazem suppôr os exercitos permanentes, cada vez mais aperfeiçoados e melhorados em sua disciplina, tac. tica e armamentos,-suspende e acanha as transacções de commercio, intimida o credito. Assim, a guerra, que fôra uma vantagem, é hoje um prejuizo. Eum esforço empregado, mas custoso, cruel, e que não compensa, mesmo para o victorioso, pelo resultado obtido, as despezas feitas. Ha certamente a gloria. Mas bem maior é a de Cervantes, que a do duque d'Alba; e mais nos maravilha a de Camões, que a de Affonso d'Albuquerque. A gloria militar e sonho pasageiro; pagina brilhante, por certo, na historia dos homens; mas maior e mais brilhante é a historia da civilisação. Depois que, a lucta á mão armada entre as nações affecta todas as liberdades:-a liberdade civil, porque além dos impostos avultados, e emprestimos de guerra, que incidem sobre a propriedade do cidadão, fica ella na dependencia dos planos de campanha, do atropello dos exercitos, das invasões, da pilhagem, do saque e devastação; o quê tudo é violencia feita ao patrimonio de cada qual e á faculdade que possue de dispôr d'elle como julgar conveniente, e é n'isto que reside o direito de propriedade. E, mal se comprehende um estado de paz armada sobrevindo á guerra, sem o systema protector. As nações que fazem a guerra não podem ficar para viver dependentes da vontade dos extrangeiros, e assim criam industrias, de que possam subsistir no caso de conflicto com a nação, com quem tinham estreitado relações de commercio. Um tal systema affecta portanto a propriedade do cidadão, pois o obriga a comprar caro, por falta de larga concorrencia, o que podia comprar mais barato. Assim, com uma guerra soffre immediatamente a liberdade civil, o dominio das trocas, a concorrencia commercial. Soffre a liberdade politica, porque um grande exercito hierarchicamente organisado, mal se póde manter sem uma grande centralisação, uma dictadura mais ou menos pronunciada, e que, com receio de discussões, e censura de seus actos, não vá até a condemnar a liberdade do pensamento e a critica dos administrados. Soffrem todas as liberdades; e são ellas, todavia, alcançadas á custa de tantos sacrificios, que se denominam re-. voluções, as que constituem egualmente o direito regulado em todos os codigos civis (Dos direitos originarios, artigos 359 e seguintes do Codigo civil Portuguez).

A guerra, portanto, ou ainda a paz armada, que só podem subsistir com grande imposto, grande exercito e uma apertada centralisação, sendo egual ao despotismo, é um retrocesso indefensavel e improficuo, no ponto adiantado a que attingiram as modernas civilisações. E, porque assim ellas o reconhecem, tantas vezes teem recorrido a arbitros n'este seculo XIX, e principalmente para decidirem as questões de interesses materiaes, e sem alcance no dominio politico (1). É o que tem succedido entre a Hespanha e Portugal.

(1) O maior numero de sentenças arbitraes, e as mais celebres, teem-lhes sido objectivo: -Ás indemnisações, referentes a prejuizos causados pela guerra. Por exemplo: - dando-se que uma nação reclame de outra, neutra, que a indemnise por não haver estorvado que n'um seu porto fosse destruido um navio por outros da nação adversa, belligerante; consentindo a viola

IV

As questões entre a Hespanha e Portugal.-De que modo teem sido resolvidas.

Senhores: Os dois povos da peninsula iberica, hespanhoes e portugue zes, vivem entre si, com uma linha de fronteiras, que serpejando serras ou descendo ao leito de rios e ribeiros, que segue e atravessa,-mede 1:002 ki. lometros. Ao começar na provincia de Entre-Douro e Minho, extende-se até aos mares do Algarve; e quer ao norte, quer ao sul, topa tres rios a delimitarem as duas nações:-o Minho, o Douro e o Guadiana. E-lhe, pois, extensa a raia secca; menor é a raia molhada. Vizihnas e amigas, as duas nacionalidades, da mesma raça, de analogas tradições de gloria, identicas instituições politicas, egual religião, fundamentada conveniencia de estreitar as relações de commercio, e grande estima e maior respeito mutuo, que, dia a dia, cada vez mais se affirmam e robustecem,-vae para dois seculos que nenhum conflicto de valor as separa. Os que advieram foram constantemente decididos em paz e de bom accordo (1). Assim, entre os dois povos só teem surgido e estão pendentes as questões habituaes e repetidas, que, frequente acontecem entre os habitantes de territorios limitrophes. Esses casos occorrentes podem, em synthese, enunciar-se da seguinte maneira:

Na raia seca-invasão de fronteiras, tomadia e apprehensão de gados; Na raia molhada, rios e mares jurisdiccionaes:-pescarias;

Communs ás duas raias-invasão de fronteiras, recrutamento, extradicção, contrabando, questões de commercio e transito.

Estas são as questões que se tecm levantado e podem ainda debater-se entre os dois povos irmãos; e a de delimitação do territorio ainda pende, em parte. Póde trazer o acaso, que outras succedam no mar ou em terra; mas em circumstancias diversas: tal um conflicto de jurisdição; ou em circumstancias anormaes, por exemplo, quando a conflagração de outros povos exiga a

ção do territorio neutro; ou quando em um porto d'aquella se armaram e proveram de homens e material de guerra os navios de um dos povos belligerantes. É o caso do Alabama;

-As indemnisações, em beneficio de determinadas pessoas, pelos ultrages que ellas soffreram e que a nação da sua bandeira considera um ataque ou menos preso da sua dignidade; -As contestações acerca da posse de territorios, ou ácerca da delimitação de fronteiras; -As contestações sobre a validade de certas presas; e tantas outras, que nascem do conflicto das leis penaes e civís, ou quando é violado um dever internacional, generalmente admitido. A solução pacifica d'estes e outros innumeros conflictos, supprime, certamente, muitas occasiões de guerra.

(1) Tratado de paz de 13 de fevereiro de 1668, entre a Hespanha e Portugal por medição da Inglaterra (Vide Collecção Castro, t. I, p. 357).

Tratado de paz e amizade de 6 de fevereiro de 1713, Utrecht (Castro, t. II, p. 262).

Acto de accessão de Portugal ao tratado definitivo de paz entre a França, Grã-Bretanha e Hespanha, de 10 de fevereiro de 1763 (Castro, t. II, p. 160).

Tratado de amizade e garantia de 11 de março de 1778 (Castro, p. 268).

Tratado da quadrupla alliança de 22 de abril de 1834; e artigos addicionaes de 18 de agosto de 1834-Portugal, França, Grã-Bretanha e Hespanha. Trocadas asi as ratificações a 31 de maio do mesmo anno. (Collec. Castro, t. VI, p. 120 e 142).

observancia de determinadas prescripções do direito das gentes; prescripções, que, por incuria, malevolencia, paixões ou ignorancia, os cidadãos e auctoridades de qualquer dos dois paizes, podem infringir, e que será necessario resolver. Guardadas assim todas as hypotheses de presente e do futuro, vejamos se ha mister de um tribunal para conhecer e decidir dos casos occor. rentes entre os dois povos.

I

A questão de limites (territorio, pescarias, tomadia e apprehensão de gados, etc.) é uma questão séria como sérias são todas as questões de propriedade. Por causa da linha divisoria e jurisdiccional dos dois povos, rixas e conflictos se tem originado. E ainda que elles, dando-se entre a gente rude e igno. rante da raia secca, ou aquella das ribas e costas dos dois paizes, tenham um caracter individual, é certo, ás vezes, os brios nacionaes offendidos podem ti rar áquelles actos tumultuarios a sua indole: d'ahi a necessidade de os resolver e de os evitar. No empenho teem persistido em esforços, e no melhor accordo, a Hespanha e Portugal. Dos seculos XIV e XV datam os primeiros codices sobre pendencias d'esta natureza; e foram sempre os commissarios e arbitros, nomeados pelos governos dos dois povos, a quem encarregaram de os estudar e dirimir. (Noticia sobre a Contenda de Moura, pag. 21 a 24). No seculo XVI deram elles sentença em uma questão de limites, de que foi objecto a-Defesa da contenda de Moura,- extenso territorio de 122 kilometros, 88 hectares, 94 ares e 7 metros quadrados de superficie, entre a provincia do Alemtejo e a antiga e grande divisão do reino de Sevilha. Regulando a fruição d'aquelle territorio entre as populações limitrophes, é o tratado feito entre Portugal e a Hespanha, em 1542, denominado Contenda de Moura, notavel e precioso documento para a historia da arbitragem; porque foi um tribunal constituido dos juizes commissarios D. Alonso Fajardo, por parte da Hespanha, e D. Pedro de Mascarenhas, por parte de Portugal, quem decidiu o pleito; e isto, considerando todos os meios de prova acceitos em juizo regular-as vistorias, as testimunhas, usos e costumes dos povos, sua posse antiga, e o direito allegado pelas partes. Em 1803, porque se re. petissem com maior acrimonia as discordias dos povos, que usufruiam a dita Contenda, nomearam os governos de Hespanha e Portugal novos commissa rios que procedessem á divisão d'aquelle terreno. Foram, do lado de Portugal:-o tenente general Gonçalo Pereira Caldas, e depois o brigadeiro José Antonio da Rosa; e do lado de Hespanha,-o brigadeiro D. Francisco Fersen, e, fallecido elle, o sargento mór de engenheiros D. José Gabriel. As conferencias d'estes arbitros não alcançaram resultado de proveito, porque, confiando o governo portuguez nos documentos e uso antigo, só havia auctorisado o seu commissario de acceitar a divisão por metade. É digna de apreço, sobre a questão, a nota do conde de Campo de Alange, embaixador de S. M. Catholica, dirigida ao governo portuguez em 19 de setembro de 1805. Nos ultimos oitenta annos, dobados desde as conferencias d'aquella épocha, não encontramos resolução alguma que mereça referir-se. Mas ambos os povos desejavam ver dirimida a questão pendente, pelo que, em 1885, havendo sido nomeado pelo governo de Hespanha, seu commissario de limi

tes, o coronel graduado D. Maximo Ramos y Orcajo, foi este incumbido de proceder a um projecto de divisão da Contenda de Moura, de accordo com o commissario de Portugal o coronel do estado maior Sebastião Lopes de Calheiros, ministro de estado honorario. A planta official da Contenda fôra feita em 1805 por officiaes hespanhoes; mas, porque ainda não fosse bastantemente individuada já a actual commissão de limites mandou levantar uma outra planta topographica mais minuciosa. Esta, é a memoria de um dos aju. dantes do commissario portuguez, o capitão Ribeiro Arthur, que discute a concordata de 1542, e o direito positivo cuja lettra e interpretação podem servir para a decisão do pleito irternacional,-são as que hoje, com esta nossa memoria, temos a honra de submetter ao Congresso.

A Defeza da Contenda de Moura é, portanto, uma questão pendente; e na linha divisoria de terra d'esta importancia, nenhuma outra se nos depara; pois a demarcação exacta dos limites dos dois povos, havendo merecido ultimamente a maior attenção aos dois governos de Hespanha e Portugal, achase em termos de ser concluida. Para tanto não pouco teem feito as commissões mixtas de limites. A primeira, nomeada em 1855 (1), composta dos delegados de ambos os povos, e regendo-se pelas instrucções de 9 de agosto do mesmo anno, mutuamente acceitas pelos dois governos, foi quem, depois de haver celebrado suas sessões em Lisboa e no reino vizinho (Vigo, 19 de setembro de 1855) proximo da fronteira, e feito estudos, tirado desenhos, e levantado plantas, foi essa commissão, repetimos, a que habilitou, com seus trabalhos, constantes das actas das conferencias (Ministerio dos Negocios Extrangeiros), as duas nações a celebrarem ó tratado de limites de 29 de setembro de 1864 e seus annexos de 4 de novembro de 1866. Assim, estabelecidas nos artigos d'aquelle convenio os pontos principaes da raia de ambos os estados, na parte correspondente de suas fronteiras, só resta hoje, para se ultimar com a precisa exactidão a linha divisoria internacional, a inmediata collocação dos marcos necessarios e a sua cabal descripção geometrica. A priinitiva commissão, nomeada em 1855 (2), ainda conseguiu collocar alguns marcos em 1867; mas, modificada por vezes no seu pessoal tanto hespanhol como portuguez, por conveniencias de serviço e outras, foram os commissarios ultimamente eleitos os que teem cumprido essa tarefa. O decreto de 5 de abril de 1876 nomeia para tal fim o coronel do estado maior, Sebastião Lopes de Calheiros e Menezes, ministro de estado honorario; e, porque em novembro de 1882 viesse residir em Portugal o novo commissario da Hespanha, o coronel D. Maximo Ramos y Orcajo,-são estes dois officiaes superiores, pro. priamente os commissarios de limites; pertencendo-lhes não só proceder ao estabelecimiento e collocação dos marcos para a exacta linha divisoria dos dois paizes, mas egualmente resolver quaesquer questões sobrevindas n'essa demarcação. Teem, pois, no desempenho de seus deveres, egualmente attribuições diplomaticas (artigo 24.0 do tratado de 29 de setembro de 1864).

(1) Vejam-se os decretos de 14 de julho de 1855, e de 9 de junho de 1858, que constituiram a secção portugueza com dois officiaes do corpo de estado maior.

(2) Fôra constituida, na sua parte technica, com Frederico Leão Cabreira e Guilherme Antonio da Silva Couvreur, o primeiro brigadeiro e o segundo maior de engenharia do exercito portuguez; e D. Ramon Madina y Orbeta, commandante graduado, capitão do real corpo de engenheiros do exercito hespanhol;-e na parte diplomatica representavam na commissão a Hespanha o seu ministro residente em Lisboa D. Fidencio Bourman, e D. Evaristo Peres de Castro, secretario de legação de 1.a classe.

Até aqui, era o commando do corpo do estado maior (então direccão geral de engenharia) quem mandava, nas épochas proprias, grupos de officiaes a levantarem a planta da fronteira. E na realidade conseguiram effectuar a das margens do rio Minho; mas, surgindo difficuldades por não terem aquelles officiaes cabal conhecimento do tratado e seus annexos, e porque se originassem attrictos de commando, tal o motivo, por que foi transferida para os commissarios de limites a parte technica da demarcação das fronteiras. Hoje, composta a commissão mixta de 8 officiaes, (1) tem dado cumprimento a todos os trabalhos da linha divisoria, e resolvido as questões de extremas que se teem originado. Pelo quê, sendo a linha da fronteira dividida em quatro secções:—a 1.a do Minho ao Tamega; a 2.a do Tamega ao Douro; a 3.a do Douro ao Tejo; e a 4.a do Tejo ao Guadiana, confluencia do Caya,— já a commissão actualmente em exercicio levantou toda a planta da extensa raia dos dois povos, faltando tão apenas a parte comprehendida entre o rio Tamega e o rio Maçãs, a noroeste de Vimioso, e que faz parte da 2.a secção;— egualmente já assignou em Vianna do Castello, a 20 de dezembro de 1886, a descripção geometrica da fronteira, ou dos Soi marcos que determinam a linha divisoria dos dois paizes-desde o Minho ao Guadiana;-e finalmente pôz os marcos na parte correspondente ás duas primeiras secções (Minho ao Tamega; Tamega au Douro), restando tão apenas collocal-os nas outras duas. (Livros entregues no Ministerio dos Negocios Extrangeiros a 19 de maio de 1888). Do mesmo modo teem resolvido as seguintes questões:

1.a A da Duvida, no districto de Portalegre, sitio d'aquelle nome, proximo da povoação hespanhola El Pino, que olha a freguezia portugueza de S. Julião. Esta pendencia, nasceu em 1884, ao ser construida a cazêta, de um posto avançado, a quando ao estabelecimento do cordão sanitario, pois teimavam os habitantes d'aquelle povo estar dentro do seu territorio. Resol vida em 1887; collocaram-se os marcos n.o 691, 692, 692 bis e 693, evitando-se d'este modo complicações futuras. De tudo se lavrou acta, que foi assignada pelos dois commissarios.

2.a A da Contenda, que vem de ha trez seculos. Este terreno, de 122 kilometros quadrados, está fóra do tratado de limites.

3.a—A de Refestos, por ultimo levantada, de vez resolvida pelo tratado, conforme o artigo 22.0; e que só é filha da ignorancia que d'elle teem as auctoridades. Está resolvida, e a resolução dos commissarios foi enviada ao governo em 11 de julho do corrente anno.

II

Senhores: Na provincia de Entre-Douro e Minho mede a linha da fronteira 117 kilometros, dos quaes 67 pelo rio Minho; na provincia do Alemtejo a raia das duas nações tem uma extensão de 307 kilometros, dos quaes 56

(1) A commissão actual é composta dos officiaes portuguezes:-Sebastião Lopes Calheiros de Menezes, general de divisão; José Manuel d'Elvas Cardeira, tenente coronel do corpo do estado maior; Gaspar Antonio d'Azevedo Mira, capitão do corpo de estado maior; Carlos da Silva Pessoa, capitão de infanteria; e Bartholomeu Sesinando Ribeiro Arthur, capitão de infanteria;— e dos officiaes hespanhoes:-coronel D. Maximo Ramos y Orcajo; D. Emilio Godinez, tenente coronel do corpo de estado maior; e D. Miguel Correa Oliveira, capitão do corpo de estado maior.

« AnteriorContinuar »