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O sol da epopeia espanhola que já declinava tocou o horisonte sob seu reinado. Foi aquele o soberano << grande ao modo dos poços» que á medida que, um a um, todos os Estados se lhe iam indo, redobrava no orgulho, forçava a nota da vaidade; foi o seu valido aquele ministro que, quando por todos os pontos se levantavam clamores contra o centralismo, confundindo a França com a Espanha, julgou poder competir com Richelieu em omnipotencia e teve a pretenção ouca e inconsiderada de supor, misero pigmeu, que poderia desfazer a obra dos seculos e conseguir que a peninsula unificada se centralisasse até desaparecerem as diferenças entre os reinos, que a nação catolica por excelencia, « ocupando-se dos proprios interesses, deixasse de ser, como até ali havia sido, o campeão da cristandade » 1.

Por primeira vez, ampla e declaradamente, se transplantou a politica francêsa para a peninsula iberica. Por primeira vez correntes galicanas chegaram até o trono e de tão alto quizeram impôr a lei.

A pessoa d'el-rei declarou-se sacrosanta; a autoridade real afirmou suas pretenções e justificou seus abusos dizendo-se de direito divino; o ministro omnimodo, tratando as regiões, Portugal, Catalunha, Aragão, Valencia, como despresiveis provincias, impozlhes os derradeiros vexames; o poder central, fazendo tabua raza de todo direito, afirmando como em França se afirmava que no monarca se encontra

a plenitude indiscutida de todo o poder, dá força de lei aos caprichos de um imbecil e arranca tributos ao povo como quem, senhor de todos os bens, d'eles

1 Documentos da epoca publicados por Canovas del Castillo.

pode dispôr; e, de abuso em abuso, de excesso em excesso, teria ido até os horrores que só o seculo seguinte havia de presenciar, se contra tanto despotismo, contra tão exoticas correntes cezaristas se não houvessem levantado em armas todos os que nas Espanhas sentiam ainda os antigos brios da raça iberica.

E foi o que succedeu. Contra as demencias afrancêsadas do Conde-Duque; contra o ministro e contra o rei que se propunham fazer de todos os povos da Hispania a nação escravisada que um bem diferente processus historico havia feito do povo francês, levantou-se a Catalunha, revoltou-se Portugal e esteve prestes a seriamente insurrecionar-se a maltratada Andaluzia.

Ainda era cedo para a tal ponto tiranisar uma raça livre. O valido de Filipe IV havia-se precipitado e, qual diz Pinto Ribeiro,« succedeu-lhe como aos animaes impacientes de laço, que quanto mais forcejam por se livrarem d'ele, tanto mais se enleiam e se afogam, e, pretendendo a vida e a liberdade, abreviam a morte. »

Sobreveio mais uma pausa na marcha sempre ascendente do cezarismo. Anno de libertação para Portugal, 1640 foi um dique oposto ás torrentes escravisadoras que se despenhavam de alem-Pirineus. Contudo, tratava-se apenas de uma tregua, não de uma victoria.

Portugal, livre da opressão dos governos de Madrid, caíu sob a tirania dos de sua casa. Reis despoticos, arrogando-se tantos e mais poderes que aqueles que haviam tornado odiosa a dominação filipina, lançaram os portuguezes nas abjecções do seculo xvIII, periodo de corrupção e absolutismo, e comprometeram os destinos de uma nação independente que, desde a assinatura do tratado imposto por Lord Me

thuen, atrelada ao carro de Inglaterra, nunca mais foi, realmente, senhora de sua vontade.

A Espanha, esfacelada pela guerra civil, só esperava que vencedoras as armas reaes sobre a briosa independencia dos municipios, a decadencia se afirmasse pelo despreso sistematico das veneradas e legitimas tradições ibericas.

CAPITULO VII

Catalunha. 1640-1714

O que se dava no ocidente da peninsula não podia deixar de encontrar paralelo nas regiões do le

vante.

De origem menos recente, as tradições de liberdade não eram ali por isso menos vivas. Catalunha sentia tanto como Portugal o jugo que lhe impunha o centralismo e ainda quando nem n'uma inteligencia, sequêr, germinasse a ideia de negar obediencia a quem, a pezar de tudo, vinha a ser descendente directo dos antigos soberanos do principado, a indignação acumulando-se nos patrioticos filhos da terra catală era como mina carregada que o mais pequeno choque podia fazer explodir.

De causar essa explosão se encarregaram os soldados das forças comandadas por Juan de Arce e D. Leonarda Molas que, atravessando a Catalunha em som de guerra, com suas violencias, rapinas e sacrilegios acabaram de encher a taça das amarguras e fizeram derramar a ira do povo catalão.

Propositadamente, talvez, era isso o que pretendia o governo de Madrid. O sonho dominante do CondeDuque de Olivares, o seu « maior desenho >> como diz João Pinto Ribeiro, era fazer que em Espa

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nha houvesse um só rei e uma só lei » 1. ProvocavamThe insofrivelmente a colera os tropeços e dificuldades que a autonomia e leis proprias de cada região opunham á sua imensa vaidade e, homem que não reparava na escolha dos meios com tal de alcançar seus fins, não é ofender-lhe a memoria supor-lhe a paternidade de tão cinicas instrucções aos seus representantes na Catalunha, quaes as que de positivo se sabe dava aos de Portugal.

Era aquele, não o olvidemos, o tempo em que as doutrinas do homem sobre cujo tumulo Florença escreveu << Tanto nomini nullum par elogium », estavam gosando de absoluto imperio na embrionaria ciencia de reger os povos, e quem conheça um pouco a completa amoralidade das paginas em que o assassinato, a calumnia, a fraude, a mentira são aconselhados como coisa natural, como meios que nem sequer se discutem sob o ponto de vista do licito ou ilicito, compreenderá que não é arrojada a suspeita que atribue ao ministro de Filipe iv sistematicas perseguições que, provocando a sublevação, lhe permitissem esmagar os povos a quem queria perder.

Se esse foi o seu intento, conseguiu sem duvida o que queria. Conjuntamente com as noticias dos successos da Catalunha, chegou a Madrid, talvez quando menos se esperasse, a respeitosa mas categorica Proclamação do Senado barcelonez pedindo justiça a el-rei, apontando desapiedadamente a obra do valido e acabando por anunciar a ruptura de hostilidades.

<< Ultimamente podem tanto as persuasões continuas dos que aborrecem os catalães com odio inex

1 João Pinto Ribeiro, Loc. cit.

tinguivel, que não só procuram desviar da rectidão e equidade de V. M. os meios propostos de paz e socego, que deviam ser admitidos pelo menos a titulo de experiencia; mas para chegar ao termo da malicia, propõem a V. M. como obrigação necessaria que se prosiga na opressão do principado, acudindo a ele com exercito, para o entregar livremente ao capricho de soldados de saque e pilhagem universal; expondo-o a que possa dizer (se não atendesse ao amor que a V. M. teve, tem e terá sempre) que, em virtude de tanto rompimento de contracto, o dão por livre, coisa que nem a provincia imagina, antes roga a Deus o não permita.

« E como o Principado catalão sabe por experiencia que estes soldados não teem respeito nem piedade a casadas, virgens inocentes, templos, nem ao proprio Deus, nem ás imagens dos santos, nem ao sagrado dos vasos dos templos, nem ao Santissimo Sacramento do altar, que se viu este anno duas vezes em chamas, aplicadas por estes soldados, está posto universalmente em armas, para defender em caso tão apertado, urgente e sem esperança de remedio a fazenda, a vida, a honra, a liberdade, a patria, as leis, e, sobretudo os templos santos, as imagens sagradas e o Santissimo Sacramen

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Foi esta a declaração de guerra, o grito de revolta que lançaram os catalães quando em 1640 se sublevaram contra a politica funesta do Conde-Duque. Mas antes de chegarem a este extremo, quantos

1 Proclamacion catolica a la Magestad piadosa de Felipe el Grande, rey de las Españas y emperador de las Indias, nuestro Señor, los Conselleres y Consejo de Ciento de la ciudad de Barcelona. Año 1640-§. 36.

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