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the conceder em côrtes o que fóra d'elas não podia levar, certo de que obrariam em seu consentimento os parti. culares, o que todos não consentiam. E porque dos que se mandaram juntar para darem tão abatido consentimento, e porque houve alguns que com valor se lhe oposeram, negando o que a violencia pretendia, lhes foram armando sancadilhas para de todo os destruir e assolar.

« Não contente com as traças e ardis com que aos povos se chupou grande quantidade de dinheiro, ora a titulo de emprestimos, ora da companhia da India, ora por via de esmola, ora de outros modos indignos da grandeza de um monarca, multiplicou os tributos seguintes. Mas é muito para reparar que triunfando os holandezes de Espanha, pelas companhias que contra ela levantaram, a da nossa India se consumiu e desapareceu sem os povos receberem ganho ou proveito algum de seu cabedal, nem se tomarem contas aos ministros d'ela, de tanta soma de dinheiro dispendida. »

« Gravou o eclesiastico com subsidio e mesadas alcançadas de Sua Santidade com a representação da necessidade em que o reino se achava, mas esquecido do que ao reino, e sua consciencia devia, convertia logo tudo em utilidade da coroa de Castela, acrescentando á miseria a Portugal, para cuja sustentação impetrava estes socorros. Porque eles se fizessem maiores, se faziam muitas e multiplicadas provisões dos bispados, e mais beneficios, de que ás mesadas se tiravam; com isto crescia e se fazia maior o damno e prejuizo do reino, que por esta causa desangrava e exgotava de dinheiro, que escusadamente e sem proveito algum nosso, antes com conhecido desfalecimento, se nos lesava. Envolviam-se aqui outro mal de maior momento e ponderação, que era darem-se os beneficios eclesiasticos, sem algum temor de Deus, aos que mais contribuiram, ou em dinheiro, ou em conselhos prejudiciaes ao bem publico, negando-se os premios e satisfações aos virtuosos e benemeritos, para quem se tinha constituido e ordenado. >>

«Do mesmo modo com que os particulares eram tratados, se respondiam ao comum, porque estando a Bula da Cruzada aplicada pelos Summos Pontifices para a defensa e mantença dos logares d'Africa, eles eram os que d'ela levavam o melhor quinhão, com grande perigo das consciencias, de quem lhes negava o que por tantas razões e titulos era seu.

Grande tempo nos oprimiu o tributo do bagaço da

azeitona, constrangendo-se aos donos dos lagares a que lhes fizessem tanques à propria custa para n'elle se beneficiar o bagaço que tomavam a cujo era, vendo porem que The não respondiam como se esperava, e os alvitreiros prometiam, tentaram os ministros d'esta injustiça, que as partes se concertassem em certa quantidade de azeite, com que os lagares ficavam com novo foro e encargo injusto, e tão injusto que se desfez por si, por não haver causa sobre que se podesse segurar. Porem entretanto os povos padeceram graves molestias, fadigas e opressões, pelo que não deviam e tiranicamente se lhes tomava. »

As meias anatas, impostas com maior e mais estraordinario rigor, que nunca se ouviu, pois não só dos titulos vãos e fantasticos e inuteis se levavam, mas tambem do que era acto de mera justiça a que os reis são tão obrigados, e por cuja conta desfrutam as rendas de seus estados, e gosam da obediencia dos seus vassalos, de tal modo as iam estendendo, que cada dia saíam novas leis e regi mentos com que élas cresciam, e se multiplicavam todas as coisas de que se deviam pagar: quando élas se gas taram na defensa d'este reino, podera-se com esse res peito adoçar o azedume d'elas; convertiam-se porem en desordens e desmanchos de Castela, e pedindo já as neces sidades publicas que se largasse ao reino, ordenaram que todos os oficios e mercês se provessem e fizessem em Cas tela, alternado n'isto os regimentos dos viso-reis e tribu naes, fundados nos capitulos jurados e panteados, par que d'esta maneira se pagassem lá e as disfrutasse Cas tela, e nós ficassemos ainda com a pena e desconsolaçã maior, de vêr o engano com que ultimamente se disse, qu se largavam para as necessidades do reino, não montand as que n'ele se ficavam cobrando coisa que no-las podess aliviar ou diminuir. »

«Era tanto o gosto de novos tributos e imposições, qu dando-se um alvitre que totalmente se esperimentou dan noso á fazenda real e com que se perdeu grande copia d mil cruzados, fez el-rei de Castela mercês a quem lh'o de por não desanimar aos que quizessem dar outros. De mod que querendo o procurador da coroa e fazenda demandar pessoa que o deu pelas perdas e damnos que a fazend real recebera, se lhe não consentiu. »

«Chegou a tanto a confiança n'este particular que se ordem do mesmo rei se impunham, tendo-se só por se maior servidor e leal o que mais arrecadava, o que ma molestava e afligia os povos. A esta conta se repartiram

cobraram muitos centos de mil cruzados dos pobres e miseraveis, vindo só impostos aos mais ricos: atendendo-se á arrecadação, e não ao que se mandava. Com este intento a titulo de se registarem nas torres, tentaram acrescentar tributos novos ás barcas, que cada dia saem a pescar, com manifesto risco de serem os que as mareavam cativos, por não haver quem lh'as defendesse o mar, que foi a causa dos primeiros movimentos d'este reino. >>

« Andava o reino assombrado com tantos tributos, imposições e emprestimos, porque na cobrança se executavam graves rigores, ain la no que se pedia por titulo de emprestimo, tomando e vendendo os penhores, que pela maior parte, eram os pobres amanhos, e vestidos das casas, e das pessoas dos executados, com descrida deshumanidade; repetindo os pedidos muitas vezes, ainda com as pessoas isentas por direito divino e humano de taes resoluções. »

<< Faziam-se peores de levar as asperezas dos tributos, por serem impostos fora de côrtes, não havendo direito algum que tal permita n'este reino, no qual os capitulos dos fóros jurados The tinham de todo atado o poder (foro tão antigo que já se reconheceu nas cortes del-rei D. Afonso v) chamando-se regalia ao que é uma mera tirania. »

«Mais se agravava esta miseria na consideração de que todo nosso sangue, assim chupado aos pobres, se convertiam em esperdiçamentos de Castela, com coisas não só escusadas e desnecessarias, mas ilicitas, quando o reino, afligido, bramava por remedio a seus males, e se desfazia em lagrimas e suspiros. »

<< Podera-nos servir de alivio a certeza de terem parado, e que sararia a chaga das novas imposições de direitos. Porem os com que de novo nos ameaçavam eram mais sem numero, e maiores em rigor. Ultimamente se contendia com o papel selado, que se pretendia no reino, estendendo a injustiça com que já o tinham introdusido no conselho, que assistia em Madrid, aonde se não fazia carta, ou alvará, nem memorial que não fosse selado; governando-nos, quanto a isto, já, e submetendo-nos ás leis de Castela, apesar do que a consciencia lhes pedia. »

« A coisa que mais traziam no sentido os senhores reis d'este reino, era que nações estrangeiras não fossem a nossas conquistas, sobre que fizeram apertadissimas leis, e guardava-se esta razão de estado tão mal n'este tempo, que se concederam muitas licensas a estrangeiros para irem com suas naus aos portos do nosso comercio, enfraquecendo e

diminuindo o dos portuguêses e engrossando-o aos que contava pór inimigos; e como quem se cansava e enfastiava de que tivessemos coisa livre e independente mandou el-rei de Castela publicar no anno de 1640, nos estados de Flandres, obedientes a seu governo, que podiam livremente navegar e ir com seus navios a quaesquer portos do senhorio de Portugal, sem algum receio ou dependencia das leis, e jurisdição d'este reino, obrando como rei de Castela contra o rei e reino de Portugal, e nossos foros e previlegios, estreitando-nos os caminhos de enriquecer, quando de nós queria o que não tinhamos. >>

Havendo, pela diferença e isenção com que este reino ficou, de campear com as armas da sua corôà livres e distintas, sem mistura ou diferença alguma, podendo só entrar no escudo maior dos ditos reis com logar separado e avantajado a todos os mais, por sua maior grandeza, ainda que eles mais antigos, pelo contrario se mandou que nossa bandeira variasse de cor por se diferençar da sua, menos nobre que a nossa; não se reparou no muito que os naturaes sentem afrontas feitas a seu reino, e preeminencia e magestade de suas armas e insignias. Sofrem mal os homens de valor vêr as armas de sua familia e apelido abatidas e ultrajadas, e deram d'esta verdade testimunho os antigos valorosos, de que se podera inferir quanto sentiriamos afrontas e despresos usados com os de nossa patria, a que somos mais obrigados que nós mesmos, maiormente crescendo a injuria com se tirarem a nossas armadas as preeminencias que por tantos respeitos lhes eram devidas, mandando-se que obedecessem, não só ao general de Castela, mas tambem ao almirante. >>

"... Que não experimentamos de afrontas, e de injurias? Aos generaes e capitães de nossas armadas vexavam e prendiam, por não guardarem e obedecerem as ordens dadas pela coroa de Castela, em menoscabo da nação portuguêsa, não lhes consentindo que guardassem as que tinham recebido pela corôa de Portugal, ofendendo-nos não só com a injustiça, mas com o engano, porque nunca fosse a ofensa singela. »

« Havia muitos annos que se embargavam navios, ora dos naturaes, ora dos estrangeiros, com titulo de serviço del-rei de Castela. Nem se desembargavam sem os donos comprarem os desembargos aos ministros, por cujas mãos corriam os embargos. Fazia-se isto com tanta demasia e desaforo, que já não havia quem fosse contratar ás nossas conquistas, por thes faltar já que peitar, e se perderem nas dilações.

« De aqui se seguia um total desfalecimento e mingua do comercio, com grande e conhecida quebra e baixa dos direitos reaes nas alfandegas d'este reino, que é o que sempre recebeu a maior perda no comum e no particular, diminuindo-se e acabando-se a fazenda real, e o cabedal dos vassalos, minguando-se-lhes o comercio e meneio, com que se faziam ricos e poderosos. A isto se juntava não haver liberdade para os ofendidos se queixarem dos ministros, porque isto corria por serem parciaes com aqueles a que se poderam, e deveram dar as queixas.

«... Pelo duque de Osuna, e antes d'ele, por D. Cristovam de Moura oferecera D. Filipe o I a este reino, que as administrações e oficios de Portugal se não haviam de dar a estrangeiros; mas somente a portuguêses.

«Sabia ele de quanto momento era a observancia d'este costume e confirmou-se esta promessa no capitulo XVII dos jurados nas côrtes de Thomar, e é conforme á razão natural, que gozem os naturaes os premios de seus trabalhos e os não desfrutem estrangeiros. Que não ha coisa que cause maior sentimento que vêr em mãos estrangeiras o premio que a vós por natural se vos devia. A esta conta chegou a dizer um catalão sobre similhantes previlegios, que ainda que expressa e declaradamente lhes não fôra concedido, haviam de gozar d'ele, por ser comum aos mais reinos, e senhorios de Espanha. Este é um dos principaes pontos e fundamentos de to las as republicas bem governadas. Os naturaes conforme a toda a lei divina e humana devem ser honrados e apremiados com os oficios e beneficios de patria, e não os estrangeiros, que por taes faltam ás coisas da republica com o amor, zelo e cuidado com que os naturaes İhe respondem. Porem o mao governo de Castela ia tão fora d'esta razão de estado, que, não satisfeito com atropelar as leis d'este reino, e as encontrar na destribuição dos oficios e beneficios entre os portuguêses, de nada mais cuidava que de introdusir n'ele estrangeiros, por nos negar e nos tirar o que por tantos respeitos era nosso.

«Do mesmo modo s procedia na destribuição das mercês. Negavam-se aos de mais e maiores merecimentos e serviços, concediam-se aos que melhor as pagavam, com que a republica se desfalecia de homens de valor que com seus trabalhos e suores a fizessem respeitada e gloriosa; esqueciam-se d'aquela sã razão de estado, que ensina, que darem-se os oficios, administrações, rendas e mercês a estrangeiros escandalisa todo o reino e perde a republica seu lustre e magestade. De aqui vinha não haver no reino mais

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